Kiss: Júri condena ex-sócios da boate e integrantes de banda a penas de 18 a 22,5 anos de prisão

Decisão saiu quase nove anos após o incêndio que deixou 242 mortos em Santa Maria

Foto: Ricardo Giusti/CP

Após quase nove anos do incêndio que deixou 242 mortos na boate Kiss, a Justiça condenou, nesta sexta-feira, por homicídio doloso, os quatro réus apontados como responsáveis pela tragédia, ocorrida em janeiro de 2013, em Santa Maria. Os ex-sócios da boate, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, receberam 22 anos e meio e 19 anos e meio de prisão, respectivamente. Já os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, terão de cumprir 18 anos de pena. Embora pela decisão nenhum deles possa recorrer em liberdade, um habeas corpus preventivo, concedido pelo Tribunal de Justiça à defesa de Spohr, impede que as prisões sejam imediatas, como anunciou o juiz Orlando Faccini Neto, no fim da tarde. O magistrado também confirmou que, mesmo que a liminar contemple apenas um réu, estendeu aos demais o mesmo benefício – o que não é incomum em casos semelhantes.

Durante os dez dias de um dos maiores julgamentos do país e o maior da história do Rio Grande do Sul, o tribunal do júri ouviu 32 pessoas, sendo 28 testemunhas e os quatro réus acusados por homicídio simples com dolo eventual. Segundo o Ministério Público, eles assumiram o risco de causar mortes ao não prevenir a possibilidade do incêndio e agir em desacordo com a legislação.

Entre os elementos destacados pela acusação no julgamento, a superlotação da Kiss na noite da tragédia, o uso de uma espuma no teto para isolamento acústico que no incêndio liberou gases tóxicos, o que provocou a maioria das mortes, e o uso e manejo irregulares pela banda Gurizada Fandangueira de artefatos pirotécnicos em ambiente fechado.

O promotor David Medina, um dos representantes da acusação, liderada pelo Ministério Público, disse que o julgamento é um marco na história dos tribunais do país. “Um dos pilares da democracia é a soberania popular, os cidadãos e cidadãs intervindo e fazendo coisas, balizando esse tipo de situação. Conseguimos conscientizar da importância da decisão que eles vão tomar”, afirmou ele, durante a etapa de réplica.

Já a promotora Lúcia Helena Callegari disse que o resultado impacta na forma como todos os proprietários passarão a administrar as casas noturnas no país. “Esse júri vai trazer a responsabilidade para todos nós. Tenho certeza de que todas as casas depois do dia de hoje vão repensar suas responsabilidades”, afirmou. “A gente tem que mudar os nossos conceitos de vida, aprender a olhar luzes, saídas, cartazes.”

A tragédia ocorreu na madrugada de 27 de janeiro de 2013, no Centro de Santa Maria. A casa noturna, na rua dos Andradas, promovia a festa universitária “Agromerados”, com a apresentação da banda Gurizada Fandangueira. Durante a festa, o produtor de eventos do grupo, Luciano Bonilha, acendeu um artefato pirotécnico, e entregou na mão do vocalista, Marcelo de Jesus dos Santos. O fogo atingiu parte do teto do estabelecimento e causou a morte de 242 pessoas. Outras 636 sofreram lesões.

Julgamento
As responsabilidades pela tragédia são apuradas em seis processos judiciais, sendo que o principal, ao tramitar na 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, acabou dividido em dois. No processo criminal, os empresários e sócios da boate, Spohr e Hoffmann, o vocalista Marcelo e o produtor musical Luciano respondem por homicídio simples com dolo eventual.

Nesta sexta-feira, os quatro réus foram jugados por um Conselho de Sentença, constituído por sete jurados – seis homens e uma mulher -, no plenário do Foro Central I de Porto Alegre. O julgamento ocorreu na capital gaúcha porque a Justiça estadual concedeu a três réus o desaforamento do caso – transferência de julgamento para outra comarca. Somente Luciano não teve interesse na troca. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou a realização de um julgamento único.