Depois de três ondas da Covid-19 no Brasil e de 615.179 óbitos causados pela doença, a situação finalmente parece estar melhorando com o avanço da imunização. No entanto, o país enfrenta agora os casos pós-Covid. Muitas das pessoas que se recuperaram da doença têm relatado os chamados ‘sintomas permanentes’ ou, conforme nomenclatura adotada recentemente pelo Ministério da Saúde, as “condições pós-Covid”. O governo federal ainda não sabe quantas pessoas convivem com esses sintomas (quadro que exige acompanhamento médico para recuperação), apesar de haver quase 22 milhões de pessoas que tiveram a doença e que são tidas como ‘casos recuperados’, segundo dados do próprio ministério.
A secretária extraordinária de enfrentamento à Covid-19 do Ministério da Saúde, Rosana Leite de Melo, afirma que o governo está mapeando dados de pessoas que sofrem com essas condições. No último dia 19 — após 20 meses de pandemia —, o Ministério da Saúde divulgou uma nota técnica (retificada no dia 24 de novembro) com o código dos casos de pessoas com sintomas pós-Covid.
Código CID
O SUS (Sistema Único de Saúde) trabalha com um sistema informatizado por meio do qual os profissionais da saúde registram os casos de todas as doenças que chegam aos pontos de saúde. Esses códigos são chamados de ‘CID’ (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) e são importantes para uma compreensão mais aprofundada e abrangente das enfermidades que acometem a população.
Fazendo uso desse código, o país poderá quantificar com mais clareza o número de pessoas — entre as que se recuperaram da fase aguda da doença —, desenvolveram novos sintomas; quantas pessoas reapresentaram os sintomas previamente identificados; ou quantas convivem com os sintomas após a recuperação da doença. Entre os sintomas — que geralmente aparecem 120 dias após a fase aguda da Covid-19 — destacam-se: fadiga, perda de força muscular, perda de memória, insônia, problemas respiratórios, depressão, ansiedade e queda de cabelo.
Demora para a publicação da nota técnica
Perguntada se a nota técnica, com o código para casos pós-Covid, não foi publicada de forma tardia, a secretária Rosana de Melo afirmou que foi o tempo necessário para agregar as informações. “O prazo era para o final de setembro. Demorou um pouco mais”, disse ela. A secretaria chefiada por Melo foi criada em maio deste ano, e ela assumiu o cargo em junho.
De acordo com Rosana, com a codificação estabelecida em nota técnica elaborada no mês passado, o governo terá o controle do número de pessoas com os sintomas pós-Covid no Brasil. A nota técnica, datada do final de novembro e assinada por diversos secretários (incluindo a própria Rosana Melo), afirma que as condições pós-Covid “podem ocorrer em pacientes que apresentaram quadros leves, moderados e graves durante a fase aguda da doença, bem como naqueles indivíduos que tiveram infecções assintomáticas”.
Como as manifestações são diversas e ainda não existem dados sobre quais são os principais acometimentos na população brasileira, o grupo buscou — em uma base de dados e repositórios sobre a Covid-19, nos meses de maio e junho deste ano — informações sobre a prevalência de manifestações clínicas, sequelas ou sintomas da Covid longa. O documento traz um estudo que observou outras pesquisas e revisões, com as principais manifestações agrupadas em diferentes categorias (respiratória, neurológica etc), apontando a prevalência.
No caso de manifestações respiratórias, por exemplo, a maior prevalência em pessoas que têm sintomas pós-Covid é de fadiga persistente, que pode chegar a 87% dos casos, conforme 16 estudos primários (e oito revisões sistemáticas) feitos com entre 55 e 2.580 participantes, segundo dados da nota técnica. Já no caso de manifestações neurológicas, a maior prevalência é de dificuldade de concentração, que chega a 80%, de acordo com dois estudos primários (e uma revisão sistemática), feitos em cerca de 120 participantes.
Tratamento
Especialistas apontam que lidar com pacientes pós-Covid exige o trabalho de uma equipe multidisciplinar, envolvendo, por exemplo, médicos de várias especialidades, enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos. Em meados do ano passado, a Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação criou um programa de reabilitação para os casos pós-Covid-19. Segundo a diretora Lúcia Willadino Braga, hoje 30% das admissões da rede já são de pacientes com os sintomas persistentes.
“Há uma incidência muito alta de pessoas que ficam com sintomas neurológicos. É um atendimento diferenciado, separado. Fazemos uma avaliação completa, verificamos os problemas e os pacientes são encaminhados”, explicou. Para integrar o programa, basta se inscrever pelo site. Lúcia Braga ressaltou que é necessário fazer um tratamento, porque a recuperação espontânea (ou seja, sem acompanhamento médico) é muito lenta.
A médica de Saúde da Família e Coordenadora de Saúde da Associação Vida e Justiça de Apoio e em Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid-19, Rosangela Dornelles, afirmou que o país precisa de um banco de dados oficial para ter noção de todo o acometimento das pessoas frente aos sintomas pós-Covid. “Não existe uma política específica para isso”, afirmou. Rosângela ressalta que os sintomas mais presentes são respiratórios e neurológicos. “Depressão, perda de memória, perda de força, queda de cabelo. Precisamos de serviços especializados, que podem ser na rede de média complexidade ou na saúde básica”, pontua.
Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, há uma falta de controle do governo e de outros entes federativos para que seja possível entender os sintomas pós-Covid no país. “Desde o início, trabalhamos na importância de ter uma coordenação nacional, junto com estados e municípios, e essa coordenação nunca aconteceu de fato. Sempre houve uma responsabilização jogada para os outros”, afirma.
Já o coordenador do projeto pós-Covid da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o médico Arnaldo Santos Leite diz que com a codificação para sintomas pós-Covid, espera-se que essa informação chegue com clareza. Segundo ele, essa padronização será importante.
“Acho que estamos vivendo um regime de guerra; de ir apagando incêndios. Mas, realmente, é preciso que haja uma programação, com projetos que possam padronizar esse atendimento. O que eu vi, até agora, são medidas muito pontuais e a nível de pesquisa”, afirma. O professor destaca que é preciso que haja uma política específica, e que a demanda será enorme na atenção primária.