O administrador da loja de fogos de artifício Kaboom, Daniel Rodrigues da Silva, afirmou na manhã desta sexta-feira diante do júri popular do Caso Kiss que os artefatos comprados no estabelecimento, e que deram início ao incêndio na boate de Santa Maria, não eram adequados para uso em ambiente fechado. Segundo a testemunha, a sétima ouvida durante o julgamento, os clientes são instruídos sobre os riscos do uso desses itens, que produzem chama quente e exigem cuidados mesmo quando utilizados ao ar livre. O empresário foi amplamente indagado pela defesa de Luciano Bonilha Leão, produtor musical que realizou a compra dos itens, sobre comercializar individualmente artefatos que só podem ser vendidos na caixa – que trazia as instruções de segurança.
Testemunha arrolada pelo Ministério Público, Silva, de 40 anos, é administrador da loja, localizada em Santa Maria desde 2009. Ele relatou que dois dos produtos que aparecem na nota fiscal da compra feita por Leão – o sputnik e a chuva de prata – devem ser utilizados apenas em ambiente externo. Os itens, segundo ele, apesar de terem formato diferente, os fogos produzem efeito semelhante, o de chama quente, de cerca de 1,5 metro de altura e com duração de aproximadamente 10 segundos. O custo é mais baixo que o dos fogos indoor, para ambiente fechado.
“Desde a abertura da nossa loja, a gente sempre prioriza dar explicação para os clientes como funcionam os produtos, independente do produto que for. A caixa contém informações dizendo onde não pode ser utilizado”, explicou.
Questionado sobre as características do Sputnik, o comerciante destacou: “Ele produz uma faísca quente, que queima, mesmo sendo de ambiente externo é exigido na embalagem uma distância mínima de permanência de pessoas e objetos, para evitar algum tipo de acidente já em ambiente externo”. Silva relatou que, independentemente do revestimento do recinto, os artefatos oferecem perigo.
O proprietário do estabelecimento disse que não conhece pessoalmente os réus, que nunca vendeu diretamente para nenhum deles, e que a venda dos fogos usados na Kiss havia sido feita por um funcionário temporário da loja. Segundo ele, esse vendedor disse a Luciano Bonilha Leão para não utilizar os itens em espaço fechado. A testemunha contou que realizou um curso oferecido por uma empresa especializada em Minas Gerais para poder manusear e transportar esse tipo de produto. O funcionário em questão não possuía o curso técnico, o que, segundo ele, não era necessário para apenas trabalhar em uma loja especializada.
Os ânimos acirraram-se quando os advogados de Leão tomaram a palavra. Questionaram a testemunha, por exemplo, sobre já ter sido investigada pela polícia. O comerciante negou ter sido investigado por conta do Caso Kiss. Os defensores, no entanto, insistiram e Silva chegou a perguntar ao juiz Orlando Faccini Neto qual a relevância da pergunta e se era obrigado a responder. Acabou cedendo e disse que, em 2015, recebeu uma mercadoria em uma garagem, e não na loja dele. Os vizinhos denunciaram o fato, com o produto sendo devolvido ao fornecedor e Silva intimado por armazenamento inadequado, tendo que pagar uma multa. Segundo ele, a questão se resolveu em 2018.
Os cinco advogados de Leão – Jean de Menezes Severo, Gustavo da Costa Nagelstein, Tomás Antônio Gonzaga, Filipe Decio Trelles e Martin Mustschall Gross – estenderam-se, então, sobre as vendas unitárias de produtos, que devem ser feitas somente em caixa. Os defensores reiteraram que esses itens, quando retirados da embalagem, perdem as informações dos fabricantes. De acordo com a defesa de Leão, alguns deles foram comprados na loja de Silva de forma avulsa. Os advogados chegaram a mostrar, inclusive, um e-mail respondido pelo empresário em 2021, citando a possibilidade de vender chuva de prata de forma individual. A testemunha disse não saber dizer o motivo da comercialização avulsa nas ocasiões citadas, mas ressaltou que as vendas no estabelecimento sempre eram feitas com instruções verbais ao comprador.
Daniel Rodrigues da Silva ainda respondeu à advogada Tatiana Vizzotto Borsa, que representa o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos. Ela utilizou uma luva supostamente igual à do músico, durante o incêndio, para manusear os fogos de artifício. Simulou uma forma de encaixar os artefatos no acessório e questionou a testemunha se, daquela maneira, corria risco de queimar a mão no caso de acender o produto. Segundo Silva, mesmo no caso de uma vela própria para ambientes fechados – com a chama mais curta – a pessoa pode queimar a mão manuseando do jeito que a defensora demonstrou. Respondendo perguntas dos jurados, Silva disse que não sabia precisar a altura da chama do sputnik e da chuva de prata, mas que ambos produzem faíscas de calor. Também relatou não saber diferenciar se uma delas é mais quente que a outra. Afirmou, ainda, não saber se a luva utilizada pela advogada era igual a que consta no processo.
Por fim, um dos advogados de Leão, Jean Severo – que havia elevado o tom de voz em algumas discussões mais cedo, levando o juiz Orlando Faccini Neto a determinar um intervalo de 10 minutos no depoimento –, pediu para a testemunha não ser dispensada. Segundo Severo, Silva é importante para outros depoimentos que virão ao julgamento e que terão como foco os fogos de artifício. O MP lembrou que não há obrigatoriedade de testemunhas de fora da comarca prestarem depoimento, e que Silva se dispôs a sair de casa, não sendo justo ser mantido mais um dia preso ao juri. O magistrado, então, dispensou o depoente.