O segundo dia do julgamento do Caso Kiss começou com o depoimento de Emanuel Pastl, sobrevivente que se especializou em Engenharia de Incêndio após a tragédia. Pastl, de 27 anos, comemorava o aniversário com o irmão gêmeo, a cunhada e amigos na ocasião, e possivelmente foi uma das primeiras pessoas conseguir deixar o local, antes mesmo da chegada do Corpo de Bombeiros. A testemunha relatou não ter visto luzes de emergência, extintores e alarme de incêndio na boate. Uma das jovens que estava com o grupo, Allana Willers, de 18 anos, morreu no incêndio.
Após um atraso, o segundo dia de júri começou por volta das 9h30min, com cerca de uma hora e meia de questionamentos por parte do juiz Orlando Faccini Neto, da acusação e dos advogados de defesa. Pastl relatou que morava em Porto Alegre e que aquela havia sido a primeira festa que tinha comparecido em Santa Maria, a convite do irmão, que estudava na Universidade Federal do município. Segundo a testemunha, eles estavam próximos do bar e da saída de emergência quando o incêndio começou. Inicialmente, acreditou ser um princípio de tumulto, mas logo percebeu a presença de fumaça cinza subindo. Antes das luzes e do som se desligarem, o grupo começou a se dirigir à porta.
“Me desencontrei do meu irmão, ele seguiu no sentido esquerdo, com as gurias, e eu segui no sentido direito. De repente, teve aumento significativo da presença de fumaça na camada respirável e de temperatura também, numa situação insuportável. Nesse momento, as pessoas entraram em estado de pânico, começaram a se atropelar, se puxar, se empurrar”, contou. Ele estima que a situação toda não tenha durado mais do que um minuto e meio. Logo em seguida, as luzes e o som se desligaram. Pastl se desencontrou de Allana, que havia seguido pela direita com ele, e sacou o celular para iluminar parte do ambiente, mas logo acabou derrubado no chão. Ele disse que ainda sentiu alguma substância pingando em sua pele antes de conseguir sair do local.
O sobrevivente calcula sua saída tenha durado de três a quatro minutos – os bombeiros chegaram à boate em aproximadamente sete minutos. Ele contou que, do lado de fora, tentou procurar ajuda, mas não foi atendido, e retornou à Kiss quando escutou as sirenes. Nas imediações do prédio, viu um rapaz com muitos ferimentos, ajudou-o a entrar numa viatura da polícia e pediu para que fossem levados ao hospital. Com queimaduras nos olhos, Pastl foi levado para a emergência do Hospital de Caridade, onde já havia outras vítimas. Ele ainda foi transferido para Canoas, onde foi direto para a UTI e foi intubado por quatro dias. Seu irmão, que desmaiou durante o incêndio, também foi internado no local e teve uma internação de mais dias por conta de uma infecção.
A testemunha contou que, assim como o irmão, teve algumas sequelas, como cicatrizes de queimadora e o desenvolvimento de uma bronquiolite por conta da inalação da fumaça. Ainda conviveu com episódios de síndrome do pânico por cerca de duas semanas após a tragédia, mas disse que hoje está bem e consegue falar normalmente sobre o ocorrido.
Pastl formou-se em Engenharia de Minas e, um pouco antes de concluir a graduação, começou a trabalhar em uma empresa de proteção contra incêndio. Especializou-se em Engenharia de Segurança do Trabalho e, posteriormente, em Engenharia de Incêndio. Não atua com PPCI ou instalações gerais, mas na parte de proteção passiva, compartimentações e selagem. Questionado pela promotora Lúcia Helena Callegari se sua escolhe profissional teve relação com o ocorrido, respondeu: “Não sei dizer se foi em decorrência dos fatos, foi uma oportunidade que surgiu para mim e tenho tentado cumprir com meu dever”.
A promotora chegou a perguntar como a testemunha conheceu sua esposa. Pastl chegou a questionar se a pergunta era pertinente, mas acabou respondendo que a companheira foi a enfermeira que cuidou de seus ferimentos durante a internação. A maior parte das demais perguntas, tanto da acusação quanto das defesas, girou em torno das características da boate com relação à prevenção contra incêndio e sobre sua visão enquanto profissional da área. O sobrevivente reiterou que não tinha conhecimento das normas da época na cidade e que não conhece o enquadramento legal da edificação, mas disse que a Kiss estava cheia na ocasião e que, durante sua saída do local, não viu extintores e alarme de incêndio, iluminação de emergência e sinalização. Também relatou que havia apenas uma saída de emergência.