Caso Kiss: emoção toma conta do 2º dia de julgamento com exibição de imagens da tragédia

Sobrevivente que testemunhou precisou de atendimento médico nesta quinta-feira

Foto: Ricardo Giusti/CP

O segundo dia do julgamento dos quatro réus acusados pela tragédia da boate Kiss, ocorrida em Santa Maria, há mais de oito anos, ocorre nesta quinta-feira. No turno da manhã, foram ouvidas as testemunhas Emanuel Almeida Pastl e Jéssica Montardo Rosado – que passou mal e precisou ser atendida. Muitos familiares na plateia se emocionaram e também saíram do local por alguns minutos, especialmente depois que a promotora Lúcia Helena Callegari exibiu um vídeo feito na madrugada da tragédia.

Maria Aparecida Neves, que perdeu o filho Augusto Cezar, de 19 anos, contou que acorda de noite até hoje vendo o corpo do filho no caixão. “A saudade é muito grande. Minha casa nunca mais teve alegria”, disse hoje na chegada ao Foro Central. A jornalista Daniela Arbex, autora do livro “Todo dia a mesma noite – A história não contada da boate Kiss”, também acompanha o júri.

O sobrevivente Emanuel Almeida Pastl deu o primeiro testemunho desta quinta ao juiz Orlando Faccini Neto. “Começou um tumulto e me desencontrei do meu irmão. As pessoas entraram em estado de pânico e começaram a se empurrar. Foi horrível”, lembrou. Em seguida, a vítima relatou ao júri: “Não tinha alarme de incêndio, nem sinalização e iluminação. Não senti em mim água caindo de chuveiros de teto durante o incêndio”.

Enquanto isso, o advogado Jean de Menezes Severo, que defende Luciano Bonilha Leão, conversou, durante uma pausa, com o cliente e com o outro réu que fazia parte da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos. “Vai dar tudo certo”, tentou tranquilizar o advogado. “Aqui não é lugar para fazer vingança, mas justiça”, salientou Luciano ao Correio do Povo.

Na sequência, a sobrevivente Jéssica Montardo Rosado passou a depor. Ela pediu para responder sem máscara de proteção facial. Em um testemunho carregado de emoção, Jéssica chorou em várias passagens.  “Eu me apavorei. Era muita gente caindo em cima dos outros”, recorda. Jéssica teve de ser amparada e retirada do júri para receber atendimento médico depois de ver as imagens do incêndio mostradas pelos promotores da acusação. “Estou muito mal”, balbuciou, chorando. Após ser atendida, ela voltou ao júri.

O presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Flávio Silva, avaliou como positivo o primeiro dia de julgamento, e disse que espera o mesmo na sessão de hoje, que termina à noite.

Um dos momentos mais marcantes aconteceu durante a pausa para o atendimento de Jéssica. Uma mãe chorou no corredor do Foro Central. “Dá raiva ficar perto desses assassinos e não poder fazer nada. Hoje tá muito pior esse julgamento. Eu não estava preparada para ver aquelas imagens”, desabafou Nelci Almeida Konzen, que perdeu a filha Jéssica, de 21 anos, no incêndio. “O sonho da vida dela era dar uma vida melhor para mim e o pai dela”, compartilhou não conseguindo mais falar.

A exemplo do que aconteceu no primeiro dia do julgamento, promotores de Justiça voltaram a usar a recriação virtual de como era a boate Kiss por dentro. A antropóloga argentina Virginia Vecchioli, que é professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e responsável pela recriação digital da casa noturna, explicou em novembro que o projeto é semelhante à reconstituição disponibilizada anteriormente de um campo de detenção do período da ditadura argentina.

O “El Campito” serviu como evidência, neste ano, no megaprocesso Campo de Mayo, realizado no Tribunal Oral Criminal Federal nº 1, na Argentina. Conforme a antropóloga, esse tipo de recurso digital vem sendo utilizado em tribunais penais pelo mundo. No portão de entrada do Foro Central, o banner com os rostos e os nomes de todas as vítimas da tragédia da casa noturna voltou a ser afixado pelos familiares.

Nos próximos dias, no plenário do 2º andar do Foro Central (prédio I), em Porto Alegre, serão decididos os destinos dos sócios da casa noturna Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, do vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e do produtor musical Luciano Bonilha Leão, que passou mal no primeiro dia e necessitou de atendimento na enfermaria. Todos respondem por homicídio simples com dolo eventual (242 vezes consumado, pelo número de mortos; e 636 vezes tentado, número de feridos no incêndio). Dolo eventual significa que a pessoa não teve a intenção de matar, mas assumiu esse risco. O julgamento é considerado o mais importante da história do Rio Grande do Sul.