Em 1996, quando o Fokker 100 da TAm caiu sobre residências no bairro do Jabaquara, em São Paulo, as companhias aéreas ainda não eram obrigadas a fornecer assistência para as famílias de vítimas de acidentes. De lá para cá, após muitas batalhas, garantir o amparo e a assistência aos familiares foi uma das conquistas da Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos (Abrapavaa), criada por familiares de vítimas do voo da TAM e que se tornou a primeira agremiação desse tipo no Brasil. Depois dela, outras associações foram criadas para cada um dos grandes acidentes com aeronaves que ocorreram no país.
“O grande problema é que, em 1996, o Brasil ainda não tinha uma norma de assistência a familiares de vítimas como tem hoje. Isso também foi conquista nossa. Quando tem um acidente de maior proporção, logo os familiares são instalados em hotéis e começa a ter padre e psicólogo. Essa norma passou a ser uma obrigação para toda as aéreas em 2005, com a Anac [Agência Nacional de Aviação Civil]”, disse Sandra Assali, que perdeu o marido no acidente, e é a presidente da associação.
“Naquela época, a coisa foi muito complexa. Foi um divisor de águas. Uma das questões foi essa, mudou totalmente a forma de lidar com familiares de vítimas”, acrescentou.
Quase dez anos depois, em 2005, foi criada a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), uma agência para regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeroportuária e aeronáutica. Neste mesmo ano, a Anac criou e publicou um plano de assistência aos familiares e vítimas de acidentes aéreos, tornando-o obrigatório a empresas áreas nacionais e estrangeiras. Cabe à Anac fiscalizar a prestação desse suporte.
O plano de assistência, de 2005, estabelece, por exemplo, que a empresa aérea deve elaborar a lista de vítimas do acidente aéreo em até três horas e que as famílias devem ser informadas e notificadas antes da imprensa ou do público. As empresas aéreas também devem prover transporte para as vítimas ou familiares das vítimas, fornecer informações sobre o acidente, devolver objetos pessoais e, também oferecer acomodação, alimentação e assistência médica, psicológica e religiosa aos familiares das vítimas e aos sobreviventes.
Mas no acidente com o Fokker 100, as famílias e vítimas ficaram desamparadas. “Era uma empresa que não se preparou para a eventualidade de um acidente aéreo. As famílias ficavam absolutamente largadas. Não tivemos assistência nenhuma”, disse Sandra Assali. Na época, ela teve a confirmação de que o marido estava no voo após ver uma lista de nomes pela TV. A empresa jamais a procurou para falar sobre a morte do marido.
Quem também reclama do tratamento dado pela empresa é o jornalista Jorge Tadeu da Silva, que teve sua casa destruída com a queda do avião. Seus pais, que moravam na casa ao lado, também tiveram a residência destruída e, naquela noite, tiveram de dormir na casa de parentes.
“Naquele dia não tivemos nenhuma informação. Meus pais ficaram na casa da minha tia e eu dormi na casa do meu irmão. No dia seguinte, através de colegas da imprensa, a gente soube que a TAM havia disponibilizado um flat ao lado do aeroporto. E a gente ficou lá por três meses. Quando acabaram os três meses, mesmo eu ainda não tendo sido indenizado, eles [da TAM] disseram que era para arrumar um lugar para alugar e que iriam pagar três meses de aluguel. E daí encerrava. Bateu os três meses, saímos [da casa alugada]. Conseguimos alugar uma outra casa [aluguel que foi bancado pela própria família]. Felizmente meu pai tinha uma reserva de dinheiro e deu para a gente começar a reconstruir uma das casas [que foram destruídas no acidente]”, contou Silva.
A indenização que ele buscava pela destruição de sua residência demorou muito a chegar. Silva entrou na Justiça para tentar obter o dinheiro da empresa para a reconstrução das casas. “Foi levado para a Justiça porque não houve acordo [com a empresa]. Levou muito tempo para a gente conseguir receber alguma coisa. Levou, na verdade, onze anos”, relembrou.
“Justamente quando caiu o outro avião da TAM, que atravessou Congonhas [em julho de 2007, causando a morte de 199 pessoas], a imprensa questionou como foi esse acidente [de 1996]. E aí começaram a fazer levantamento do acidente anterior e verificaram que boa parte das indenizações estavam pendentes – não somente dos moradores, mas principalmente das viúvas”, destacou.
Por meio de nota, a Latam informou não ter hesitado em “dar assistências às famílias das vítimas, mesmo não tendo protocolos e normas globais para assistência humanitária”.
Ainda segundo a empresa, “todas as famílias das vítimas envolvidas [no acidente] foram indenizadas”.