Após quase dois anos de discussões, o Senado apresentou hoje o relatório para a reforma dos tributos sobre o consumo. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110 unifica tributos, cria um imposto especial para desestimular o consumo de bebidas e cigarros no lugar do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e finaliza as isenções para produtos da cesta básica, inserindo no lugar um programa que devolve dinheiro diretamente às famílias de renda menor.
O relator, senador Roberto Rocha (PSDB-MA) entregou o texto aos líderes partidários da Casa. Apresentada em 2019, com base em um texto que tramita desde 2004, a proposta tramita paralelamente ao projeto de lei apresentado pelo governo no ano passado e que teve o relatório lido em maio.
Com o objetivo de simplificar a tributação ao longo da cadeia produtiva e eliminar repasses para os preços finais, a PEC 110 não trata da reforma do Imposto de Renda (IR). Aprovada na Câmara no início de setembro, as mudanças no IR seguem tramitando no Senado.
Unificação
O texto apresentado por Roberto Rocha unifica contribuições federais que incidem sobre o faturamento das empresas e funde impostos estaduais e municipais em outro imposto. Pela proposta, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) entra no lugar da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep).
O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) passa a substituir o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), arrecadado pelos estados, e o Imposto sobre Serviço (ISS), de responsabilidade dos municípios. Tanto a CBS como o IBS não são cumulativos – não sendo cobrados repetidamente em cada etapa da cadeia produtiva – e incidem apenas sobre o valor agregado em cada fase da produção e da comercialização do produto ou do serviço.
A proposta não unificou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e o salário-educação no novo tributo federal. Mesmo assim, o texto é mais amplo que o projeto do governo, que unifica apenas a Cofins, o PIS e o Pasep e não trata dos tributos das outras esferas de governo.
Estados e municípios
Em relação ao IBS, o texto propõe que haja uma legislação única para os 26 estados, o Distrito Federal e os municípios. Essa legislação deve ser instituída por uma lei complementar, a ser aprovada depois da PEC. A ideia é que a legislação única ponha fim à guerra fiscal entre os estados, que ao longo das últimas décadas concederam individualmente benefícios e isenções para atraírem empregos. A cobrança passa a ser feita no destino, no local onde a mercadoria foi consumida. Atualmente, o ICMS e o ISS são cobrados na origem, com parte do ICMS sendo repassada ao estado consumidor.
Apesar de unificar a legislação, a PEC permite que cada ente público defina a própria alíquota, mas ela vai ser uniforme para bens e serviços dentro de cada governo local. Segundo o relator, a imposição de uma alíquota única para todos os estados e municípios fere a autonomia dos estados e dos municípios definida pela Constituição.
Pelo texto, o IBS deve ser repartido entre os municípios da seguinte forma: 60% proporcionais à população, 5% distribuídos igualmente entre as prefeituras e 35% livremente definidos pelas legislações estaduais. O imposto não deve ser incorporado à base de cálculo, não incidindo sobre a cobrança de tributos federais e pondo fim à cobrança do “imposto por dentro”, apontada por especialistas como uma das maiores distorções do sistema tributário atual.
A cobrança no destino dos tributos ligados ao consumo deve ser aplicada dentro de um prazo de transição de 20 anos, contra os 50 anos do texto original, apresentado em 2019. Em contrapartida, a eliminação dos atuais benefícios sobre o ICMS teve o prazo de transição ampliado, de cinco para sete anos, no relatório apresentado hoje.
Benefícios fiscais
A lei complementar de criação do IBS pode trazer alíquotas reduzidas e isenções para vários setores da economia, como agronegócio, gás de cozinha, educação, saúde, transporte público e compras de entidades beneficentes. Camadas mais pobres da população devem ser beneficiadas com a devolução direta de impostos, prevê o relatório.
Em contrapartida, atividades como operações com combustíveis, lubrificantes e produtos relacionados ao fumo, serviços financeiros e operações com imóveis podem ter alíquotas maiores. Diferentemente do modelo atual, os benefícios e as alíquotas elevadas devem definidos nacionalmente, em legislação única, não a critério de cada estado ou município, como ocorre hoje.
Embora a maioria dos benefícios fiscais fique a cargo da lei complementar, o texto da PEC estabelece a manutenção de benefícios como a Zona Franca de Manaus, as Zonas de Processamento de Exportação, o Simples Nacional (regime especial para micro e pequenas empresas) e as compras governamentais (compras feitas pelo governo).
Imposto seletivo
Pelo relatório, o IPI deve ser substituído pelo Imposto Seletivo (IS), incidindo sobre bebidas alcoólicas, derivados do tabaco, alimentos e bebidas com açúcar e produtos prejudiciais ao meio ambiente. Popularmente chamado de “Imposto sobre o pecado”, esse tributo busca desestimular o consumo desses produtos, com o governo federal tendo um prazo para instituir a cobrança e fixar as alíquotas em lei ordinária.
O IS não deve ser cobrado nas exportações, tendo o objetivo apenas de conter o consumo interno dessas mercadorias. Assim como ocorre com o IPI, a arrecadação fica a cargo do governo federal, que depois reparte as receitas com os estados e os municípios.
Cesta básica
Atualmente isentos de tributos federais, os produtos da cesta básica perdem o benefício. Em troca, o relatório propõe uma devolução dos tributos que incidem sobre esses bens a famílias inscritas no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), num mecanismo a ser regulamentado por lei complementar.
Segundo o relatório, a isenção da cesta básica não ajuda a redistribuir renda porque beneficia tanto famílias pobres como famílias ricas. Além disso, nem sempre o benefício é repassado ao preço final.
Lanchas e jatinhos
Em relação aos impostos sobre o patrimônio, o relatório cria a cobrança de Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para veículos aquáticos e aéreos, como iates, jet skis e jatinhos. A proposta pretende fazer os mais ricos pagarem mais imposto.
Em contrapartida, os veículos destinados a transporte público de passageiros, transporte de cargas e empresas de pesca artesanal serão isentos, assim como barcos e demais veículos aquáticos de populações indígenas e ribeirinhas.
Por fim, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) deve ter base de cálculo atualizada pelo menos uma vez a cada quatro anos. O teto dessa base deve corresponder ao valor de mercado do imóvel.