Apontado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid como difusor e financiador fake news no âmbito da pandemia, o empresário bolsonarista Otávio Fakhoury negou, em depoimento nesta quinta-feira, produzir informações falsas, justificando que a defesa ao tratamento precoce, incentivo ao uso de medicamentos e críticas às vacinas e ao uso de máscara são apenas “questões de opinião”.
“Fui acusado injustamente e caluniado como propagador de fake news, sem jamais ter produzido uma única notícia falsa. Aliás, eu não produzo notícia, eu não sou jornalista; eu sou um cidadão com opinião”, disse. Os senadores membros da cúpula da CPI, no entanto, sustentaram que a prática é criminosa.
Com posicionamentos alinhados ao do presidente Jair Bolsonaro, o empresário respondeu sobre a relação entre os dois. “Eu não tenho relação pessoal com o Presidente da República. Eu sou um apoiador”, respondeu. Fakhoury admitiu, no entanto, ter dado dinheiro a grupos de apoiadores de Bolsonaro para impressão de materiais com as propostas do então candidato à presidência.
Fakhoury afirmou, ainda, ter contribuído financeiramente em manifestações favoráveis ao presidente da República. “Em 2014, 2015, eu ingressei como membro do movimento Vem pra Rua e ajudei nas vaquinhas de caminhão ‘Fora Dilma'”, disse. “Participei voluntariamente da campanha (de Bolsonaro). Em 2019, nós ajudamos, sim, grupos que foram na Paulista para apoiar a reforma da previdência e o governo Bolsonaro e outras pautas que, naquele momento, estavam sendo discutidas”, completou.
As colaborações, segundo ele, foram interrompidas com a chegada da pandemia. O empresário afirmou que pretendia ajudar os caminhoneiros que queriam se manifestar na Avenida Paulista, em 15 de março de 2020, mas que o ato acabou suspenso. “Desde então, eu não fiz mais nenhuma colaboração. Inclusive, nessa última de 7 de setembro, também não tive participação colaborativa em termos de manifestação.”
Relação com Eduardo
Se por um lado Fakhoury negou ter proximidade com o presidente da República, por outro destacou uma relação mais próxima com o filho 03, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). “Contato pessoal, porém, não de amigo”, definiu, usando como critério não frequentar a casa do parlamentar. “Eu passei a conhecê-lo quando eu ingressei no PSL como tesoureiro, interinamente, por três ou quatro meses, em 2019”, completou.
O empresário detalhou ter feito um contrato com Eduardo de doação de R$ 200 mil para realização da conferência Cpac, encontro do Instituto Conservador-Liberal. Segundo Fakhoury, o repasse não teve relação com o financiamento da campanha de 2018.
No âmbito de divulgação de fake news, o depoente negou ter recebido conteúdos de Eduardo propondo algum tipo de divulgação. Mas disse que os dois chegaram a discutir um projeto para comprar uma rádio e implementar um projeto de direita. “Sempre tive um sonho de entrar e participar do ramo de comunicação, porque comunicação, rádio, televisão, é onde você se comunica e expressa a sua posição, suas ideias.”
Críticas
Assim como nas manifestações em redes sociais, o empresário Otávio Fakhoury manteve, durante depoimento à CPI, as críticas à vacinação e às medidas não farmacológicas adotadas no combate à pandemia. Por outro lado, reforçou a defesa do tratamento precoce e de condutas consideradas negacionistas no enfrentamento à doença. Fakhoury afirmou que expor as posições é uma questão de opinião resguardada pela liberdade de expressão.
Para sustentar a prática de disseminação e financiamento de fake news, razão pela qual Fakhoury havia sido convocado, o relator, Renan Calheiros (MDB-AL) mostrou um vídeo veiculado nas redes sociais em que o empresário e outras pessoas removem as máscaras, em uma demonstração clara de serem contrários ao uso dela, e fazem incentivo ao uso de medicamentos para tratar e prevenir a Covid-19, mesmo não havendo eficácia comprovada para isso.
Questionado, Fakhoury disse que o vídeo manifesta a opinião dele. Os senadores deram seguimento a outras perguntas, incluindo a defesa do ‘kit Covid’. “Na minha casa, na minha família, tiveram 14 pessoas com Covid – família e círculo próximo – e 14 pessoas que não foram hospitalizadas devido aos remédios que são falados aí. Não perdi ninguém, criança, adulto, idoso”, afirmou.
O depoente ainda reiterou a desconfiança em relação às vacinas contra a Covid, sustentando ser liberdade de expressão, tanto dele, quanto do presidente da República, falar sobre a “falta de qualidade de uma vacina”.
Crimes
“Quando a sua decisão, a sua opinião compromete a saúde de todos, isso não é liberdade de opinião. Isso é crime”, retrucou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que dirigia os trabalhos no momento da intervenção.
O relator afirmou que posicionamentos negacionistas culminaram em mais mortes contra a Covid. “E olha o resultado dessa campanha, desse estímulo: quase 600 mil mortes”, criticou. Calheiros sustentou terem “responsabilidade com o agravamento do número de mortes da Covid no Brasil” aqueles que, de alguma forma, participaram “dessas campanhas de aglomeração, de não usar máscara, de não vacinar, de deixar que o vírus caminhasse livremente, levasse o contágio da população, se submetesse a um tratamento precoce”.
“Eu queria só comunicar que, considerando que o uso de máscara e o distanciamento são, na maioria dos municípios, medidas sanitárias preventivas, o seu descumprimento configura o crime do artigo 268 do Código Penal”, completou, em outro momento, Calheiros. Ele pretende indiciar no relatório final uma lista de depoentes que mantiveram o posicionamento tido como negacionista e que dificultaram o cumprimento das medidas de combate à Covid.
Na avaliação de Humberto Costa (PT-PE) as declarações de Kakhoury são “confissões de diversos crimes”. “O senhor foi um dos que mais foi acusado de ter cometido crimes durante a pandemia, além de ter sacado contra a honra de muita gente. O senhor se apresentou sem máscara, sem distanciamento social”, disse o petista.
Para Costa, o empresário pode vir a ser enquadrado no artigo 267 do Código Penal, que estabelece que causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos, pode levar a pena reclusão, de 10 a 15 anos. Em caso de morte, a pena é aplicada em dobro. Citou, ainda, o artigo 132, segundo o qual expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente culmina em detenção, de três meses a um ano, se o fato não constituir crime mais grave.