A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 ouve, nesta terça-feira (28), a advogada Bruna Morato, que representa médicos que denunciaram a operadora Prevent Senior à CPI. Em um dossiê elaborado pelo grupo e enviado aos senadores, denunciou-se suposto cometimento de ações para subnotificar casos e óbitos de Covid-19 nos hospitais da operadora e, entre outros pontos, o uso de medicamentos sem eficácia comprovada em pacientes das unidades sem a anuência dos pacientes ou de seus familiares.
Além disso, os senadores ouvem na quarta-feira (29) o empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan. Médicos denunciaram que a certidão de óbito da mãe dele, Regina Hang, foi fraudada para não constar a Covid-19. Além disso, disseram que ela fez uso de medicamentos sem eficácia comprovada em uma unidade da Prevent Senior, mas a informação foi escondida. Na época da morte da mulher, o empresário gravou um vídeo defendendo o chamado “tratamento preventivo” e refletindo sobre o que mais poderia ter feito por sua mãe.
Segundo ele, Regina Hang foi levada ao hospital quando já estava com quase 95% dos pulmões comprometidos. “Ela estava assintomática e, quando nós pegamos, foi muito tarde. Eu me questiono: será que se eu tivesse feito o tratamento preventivo eu não teria salvado a minha mãe?”, indagou.
Com os depoimentos, o chamado “gabinete paralelo” volta ao foco da comissão. O gabinete, segundo apuração dos senadores, era formado por pessoas que não tinham cargo no governo, mas atuaram no sentido de abastecer o presidente da República, Jair Bolsonaro, com informações negacionistas no âmbito da pandemia. A ação pode ter atrapalhado a tomada de decisões corretas por parte do governo federal, conforme se apura na CPI.
Os parlamentares suspeitam que Hang integrava o referido gabinete, que também contaria com a médica Nise Yamaguchi e o empresário Carlos Wizard. O grupo incentivava, por exemplo, o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, amplamente difundidos por Bolsonaro ao longo da pandemia, além de pregar a chamada “imunidade de rebanho natural”, que consiste em deixar que as pessoas se infectem. A ideia é duramente criticada e refutada pela comunidade científica, que aponta não ser possível garantir que uma pessoa se infecte apenas uma vez, além de a prática poder gerar um alto número de óbitos.
No caso da Prevent, os médicos denunciaram até que a operadora chegou a impedir o uso de equipamento de proteção individual (EPI) para que o vírus circulasse nas unidades e se desse início ao protocolo com medicamentos sem eficácia contra a Covid. Esse protocolo para testes, segundo denúncia, teria sido acertado com assessores do governo, com intermédio do gabinete paralelo. Sabe-se que Nise já chegou a frequentar um hospital da Prevent, como médica-assistente do pediatra e toxicologista Anthony Wong.
Ele era um grande defensor dos remédios sem eficácia contra a Covid e crítico do isolamento social. Wong foi internado em uma unidade da Prevent no fim do ano passado e morreu em fevereiro deste ano. A denúncia dos médicos diz que a certidão de óbito de Wong também foi fraudada para não constar que ele morreu da doença. A Prevent nega.
Gabinete paralelo
As apurações que envolvem a existência do gabinete paralelo, também chamado de “gabinete das sombras”, figuram entre as primeiras da CPI. O primeiro relato sobre a existência do grupo foi feito pelo ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Em 4 de maio, logo após o início dos trabalhos da comissão, ele afirmou que seguia as orientações científicas, mas havia por parte do presidente Bolsonaro “um outro olhar, um outro caminho que ele decidiu do seu convencimento”.
“Não sei se através de outros assessores, de pessoas que não estavam ali no Ministério da Saúde. Mas, do Ministério da Saúde, nunca houve nenhum assessoramento naquele sentido de embasar aquelas medidas; pelo contrário, era muito constrangedor até para um ministro da Saúde ficar explicando que nós estávamos indo por um caminho e o presidente estava indo por outro”, afirmou Mandetta na época.
O ex-ministro relatou ter presenciado o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente, tomando notas em reunião com ministros. “Eu estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma reunião, que era para eu subir para o terceiro andar porque tinha lá uma reunião de vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina, que nunca eu havia conhecido. Quer dizer, ele tinha um assessoramento paralelo”, pontuou.
Na ocasião, Mandetta mencionou a minuta de decreto relativo à distribuição e uso dos medicamentos cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina no Sistema Único de Saúde (SUS) em pacientes com Covid-19, que visava a facilitar o acesso aos medicamentos, passando por cima da “bula” dos remédios, visto que não são indicados para pacientes com Covid.
Enquanto isso, o ex-ministro Nelson Teich não falou sobre o gabinete, mas afirmou que deixou a Pasta menos de um mês depois de ter assumido o cargo por não ter tido autonomia e por divergências em relação ao uso de cloroquina. Na época da sua demissão, em maio do ano passado, comentou-se que a sua saída se deveu a não ter aceitado indicar o medicamento sem eficácia comprovada a pacientes com a Covid.