Sem ouvir 70 convocados, CPI da Covid fecha ciclo com Prevent Senior

Investigação contra operadora retoma suspeitas de "gabinete paralelo" e disseminação da tese de imunização de rebanho

Depoimentos devem retomar temas iniciais com mais força, após denúncias contra a Prevent Senior PEDRO FRANÇA/AGÊNCIA SENADO

Em reta final, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 não ouviu mais da metade das pessoas que tiveram requerimentos de convocação aprovados. Dos 126 nomes aprovados ao longo dos quase cinco meses de investigação, 70 não devem ser ouvidos. Até o momento, a CPI ouviu 53 depoentes, e tem mais três agendados para esta semana. A intenção dos senadores é não utilizar todo o prazo de funcionamento da comissão, que tem até 5 de novembro para encerrar os trabalhos.

Desde junho, dois grandes temas tomaram o centro das atenções da CPI, especialmente sob o olhar do público. Com cerca de dois meses de funcionamento, o foco da comissão passou a ser a investigação sobre a Precisa e os possíveis negócios para beneficiar a empresa dentro do Ministério da Saúde. A CPI voltou suas baterias para os negócios da empresa e a suspeita de que agentes públicos e outros atores poderiam ser beneficiados com acordos. Mais recentemente, os holofotes da CPI foram direcionados para a Prevent Senior graças às denúncias de ex-funcionários da operadora de saúde entregues à comissão. Agora, a CPI fecha um ciclo, retomando o foco no chamado gabinete paralelo e a distribuição de medicamentos sem eficácia contra a doença com incentivo do governo federal e pessoas próximas ao Executivo.

Nesta semana, a comissão ouvirá a advogada Bruna Morato e o empresário Luciano Hang. Bruna, que deve ser ouvida nesta terça (28), representará os ex-funcionários da Prevent Senior. Eles elaboraram um dossiê com supostas irregularidades em relação ao tratamento da Covid-19 nos hospitais da rede. Hang, que tem depoimento marcado para quarta (29), é apontado como um dos financiadores da rede que propaga fake news ligada ao governo federal, incluindo incentivo ao uso dos medicamentos que não têm respaldo na comunidade científica para tratamento da Covid.

A linha investigativa em torno da Prevent Senior se tornou uma versão turbinada do início da comissão, quando a disseminação da tese de “imunização de rebanho” era um dos principais temas. No dossiê entregue à comissão, os senadores identificaram a ligação entre a tese e as denúncias de que médicos eram obrigados a trabalhar mesmo infectados com a doença – inclusive sem o uso de máscara de proteção – e da obrigação de receitarem o chamado “kit covid”, que inclui medicamentos sem eficácia contra a doença.

A atuação do chamado gabinete paralelo com as supostas irregularidades na pesquisa do uso da cloroquina feita pela Prevent Senior se acentuou com a participação de nomes já citados na comissão, como o da médica Nise Yamaguchi. A oncologista teria acompanhado o “estudo” feito na operadora e é apontada como o elo entre a Prevent Senior e o governo federal. Nise chegou, inclusive, a ser cotada como substituta de Luiz Henrique Mandetta para assumir o Ministério da Saúde. Ela foi ouvida pela comissão em 1º de junho e é uma das pessoas formalmente investigadas pela CPI.

No meio tempo, outros pontos que tiveram força no início das investigações, como a falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e a demora na aquisição de vacinas pelo governo federal, foram saindo dos holofotes para dar espaço às discussões atuais. Um exemplo é que, mesmo com a convocação de representantes da White Martins, empresa fornecedora de oxigênio ao estado do Amazonas, aprovada em 26 de maio, uma data para que a oitiva fosse realizada nunca foi definida.

Por mais que os temas que ficaram em segundo plano venham a ser abordados no relatório de Renan Calheiros (MDB-AL), o principal condutor da investigação sob o olhar público no segundo mês da CPI passou a ser a negociação de vacinas com intermediários, como a Davati Medical Supply e a Precisa. Outros pontos levantados durante o início da investigação passaram a ser analisados mais nos gabinetes dos integrantes do colegiado do que nos depoimentos.

Um dos assuntos que geraram interesse da comissão momentaneamente, mas acabaram deixados de lado pelas novas descobertas foi a denúncia do ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, sobre os hospitais federais e perseguição do governo a governadores. Witzel prestou depoimento em 16 de junho e os senadores chegaram a aprovar a realização de uma diligência para que ele prestasse mais informações em uma reunião sigilosa, que acabou não ocorrendo.

Longe dos holofotes, os senadores e suas equipes técnicas também se dedicaram à questão da disseminação de informações falsas sobre a pandemia, outro ponto que deve ter uma vertente sob o foco na reta final, combinado com a “imunização de rebanho” impulsionada pelo governo e pela pesquisa da Prevent Senior.

No gancho original, o assunto também teve desdobramentos na reta final. Segundo o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), o Supremo Tribunal Federal (STF) compartilhou com a CPI informações do inquérito das Fake News, que corre na Corte sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Os dados compartilhados envolvem notícias falsas espalhadas nas redes durante o período da pandemia, trabalho que técnicos e assessores da CPI também já tinham se dedicado com o levantamento de uma lista de perfis que agiram para disseminar desinformação.

A CPI também realizou duas audiências públicas, o que chegou a ser cogitado como uma agenda para ser cumprida às sextas-feiras. Entretanto, após receber defensores da cloroquina e do chamado “tratamento precoce”, bandeira de senadores governistas que desejavam um “contraponto”, a ideia foi rapidamente abandonada para não reforçar a disseminação do uso da droga, que já tinha sido descartada para a doença há meses em estudos revisados por pares e publicadas em revistas científicas.