A média de mortes diárias por covid-19 caiu 65% no Brasil nos últimos 100 dias, período em que a cobertura vacinal de adultos praticamente triplicou. Em 22 de maio, o país tinha 26,1% das pessoas maiores de 18 anos com ao menos uma dose de imunizante; 18,8% possuíam o esquema completo. Na mesma data, a média de óbitos era de 1.928.
Na segunda-feira (30), o país contabilizava uma média de 675 mortes. A parcela de adultos com ao menos uma dose de vacina era de 82% e quase 40% estavam completamente imunizados.
O cenário começou a melhorar em meados de junho, com uma redução substancial até mesmo do número de novos casos, que eram 65,8 mil em 22 de maio e caíram para 24 mil em 30 de agosto. Outro indicador que mostra o efeito positivo da vacinação no país é o de ocupação dos leitos de UTI.
Em maio, 14 unidades da federação estavam em nível crítico de ocupação de leitos de UTI (acima de 80%), outras nove tinham taxas entre 70% e 80%, segundo o Observatório Covid-19 da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Agora, 23 estados estão com menos de 60% destes leitos ocupados, em um patamar considerado baixo.
Para a médica Mônica Levi, diretora da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), as reduções de casos, hospitalizações e mortes deixam evidente que a vacinação está surtindo efeito no Brasil.
“Apesar do que o Brasil sofreu com essa pandemia, e ainda sofre, por falta de coordenação central, a gente está indo em frente e diminuindo os óbitos progressivamente. […] Eu estou otimista porque o Brasil está mostrando que sabe vacinar. Uma média de 2 milhões de vacinados por dia é muito alta. E o Brasil tinha mesmo capacidade para isso, mas não tinha vacina. Ficamos nessa instabilidade de planejamento, mas já estava previsto que o segundo semestre iria ser diferente.”
O Ministério da Saúde prevê que toda a população com 18 anos ou mais esteja com ao menos uma dose de vacina até o fim de setembro e com o esquema completo até novembro. “Eu acho que a vacinação é uma mudança de cenário muito significativa”, afirma a pesquisadora Margareth Portela, do Observatório Covid-19 da Fiocruz.
Na avaliação dela, “o pior parece já ter passado”, mas o momento ainda exige cautela.
“Essa hipótese de um novo grande alastramento seria a derrota da vacina, o que eu acho que não é o que está dado. Mas isso não quer dizer que as pessoas com a vacina possam se sentir completamente protegidas e negligenciem os outros cuidados. O fato de estar vacinada não quer dizer que esteja livre, posso ainda contrair e transmitir o vírus.”
A preocupação de especialistas envolve, principalmente, a disseminação da variante Delta do coronavírus no país, no momento em que boa parte da população ainda não tomou a segunda dose — esta cepa tem potencial de causar doença grave em pessoas parcialmente imunizadas.
Além daqueles que aguardam a data para tomar a segunda dose, o Brasil tem cerca de 8,5 milhões de pessoas que tomaram a primeira injeção e não retornaram para a segunda.
A diretora da SBIm ressalta que países como Reino Unido e Israel, que iniciaram suas reaberturas em um patamar de cobertura vacinal maior do que o Brasil, tiveram um aumento de novos casos de covid-19 com a variante Delta, mas que não se refletiu da mesma forma em internações e mortes.
“Mesmo num cenário de variantes, as vacinas ainda têm uma proteção muito boa para mortalidade e formas graves. A gente está até em um cenário de atenção neste momento porque temos uma disseminação da variante Delta no Rio de Janeiro e deve tomar conta de outros locais no Brasil também. Ela não é predominante no Brasil ainda, mas deverá ser.”
Reforço em idosos
Grupo mais afetado pela covid-19, os idosos acima de 70 anos vacinados há mais de seis meses receberão uma dose de reforço da Pfizer a partir de 15 de setembro. Ao todo, cerca de 14 milhões de brasileiros estão elegíveis.
O anúncio do Ministério da Saúde ocorreu no momento em que estados como São Paulo e Rio de Janeiro já constatavam uma interrupção da queda de hospitalizações neste grupo.
“Os estudos e mais os dados de vida real estão mostrando que os idosos depois de seis meses têm uma queda do nível de anticorpos e da proteção clínica. Por isso, essa população merece mesmo receber um reforço. Eles são, de longe, muito mais vulneráveis a formas mais graves e mortes”, pontua a diretora da SBIm.
Margareth acrescenta que o desafio dos gestores nos próximos meses será concluir a vacinação dos que ainda precisam, garantir o reforço dos idosos e a terceira dose dos imunossuprimidos, além de iniciar a vacinação em adolescentes de 12 a 17 anos.
Ela se diz contra a expansão das doses de reforço para outras pessoas.
“É muito possível, pelas características do vírus e da doença, que todos precisem do reforço no futuro. Mas neste momento quem está precisando realmente é o grupo que foi definido, são os que têm mais de 70 anos. Não vejo motivo para um profissional de saúde de 40 anos, por exemplo, receber reforço agora.”
Futuro
Embora a covid-19 ainda seja uma ameaça global, o aumento da cobertura vacinal deve fazer com que o pior da pandemia fique no passado aqui no Brasil, afirma a pesquisadora da Fiocruz.
“A gente tem observado queda, o que não quer dizer que não possa haver uma reversão a qualquer momento. Nós ainda não vencemos a guerra, estamos vencendo batalhas. Ainda tem que prestar atenção nos próximos acontecimentos. Eu hoje digo que para a gente ter de novo o que a gente teve em março, teria que ser uma nova variante que seja refratária à vacina”
Ela diz acreditar ser pouco provável que algo deste tipo ocorra.
Mas para que não haja margem para o surgimento de mutações é preciso diminuir a transmissão do vírus. Isto significa manter medidas como higiene das mãos, uso de máscara e distanciamento físico entre pessoas, afirma Mônica.
“No primeiro ano de uma pandemia, você tem uma forma mais grave, em termos de número, de impacto. Tem uma população totalmente vulnerável. O mundo inteiro está suscetível, e uma doença de alta transmissibilidade faz esse estrago que o coronavírus está fazendo. Mas, a partir de então, não tem motivo para imaginar que ele vai embora. Quando ele não encontra um terreno fértil para se replicar tanto e fazer tantas mutações, a tendência é que ele vire um vírus endêmico, como o vírus influenza.”
Margareth destaca ser possível que haja nos próximos anos vacinas mais eficazes a ponto de impactar na transmissão do vírus, mas que continuarão ocorrendo casos.
“Não vamos sair da fase pandêmica para o nada. Vamos sair da fase pandêmica para a fase endêmica, continuaremos tendo casos. Certamente as vacinas vão evoluir para outra geração que talvez seja mais eficaz na questão da transmissão.”