O empresário gaúcho Mario Gomes, 49 anos, estava feliz. Fazia viagens seguidas a São Paulo para estabelecer as parcerias do seu negócio, especializado em tecnologia. As idas e vindas eram frequentes, mas as consequências do apagão aéreo brasileiro um ano antes – embarques cancelados ou substituídos – o fizeram escolher como novo lar, a “terra da garoa”, o que facilitaria seu fluxo de trabalho. Em um domingo, chamou os irmãos para um churrasco e anunciou a mudança. Viajaria naquela semana para assinar uma locação que nunca se concretizou. Mario é uma das 199 vítimas do voo da TAM 3054, em 17 de julho de 2007.
Um pouco antes das 19h daquela terça-feira, o Airbus A320-233 que partiu do Aeroporto Internacional Salgado Filho de Porto Alegre com destino ao Aeroporto de Congonhas não conseguiu frear ao tentar pousar na capital paulista. A aeronave ultrapassou os limites da pista, atravessou a avenida Washington Luís e colidiu com o prédio da TAM Express e com um posto de gasolina. Os 187 ocupantes, entre passageiros e tripulantes, e mais doze pessoas morreram. Das vítimas, 98 eram gaúchas, entre elas, o então deputado federal Júlio Redecker e o ex-presidente do Internacional, Paulo Rogério Amoretty.
Em meio à dor, foi criada, naquele ano, a Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM JJ3054 (Afavitam), para unificar as informações sobre as investigações acerca do desastre. Eles se organizaram sob o lema “Vida, Verdade e Justiça”, em busca de respostas que até circundam seus pensamentos.
“Acabamos nos tornando uma família”, conta Roberto Gomes, atualmente, com 65 anos, irmão de Mario. Jornalista de formação, se viu como assessor de imprensa da associação voluntário. “Precisei me dividir entre a pessoa que falava com a imprensa e o familiar que tinha que se preocupar como corpo e o enterro do meu irmão”. Beto lembra de ter visto a notícia da tragédia ao vivo, pela televisão. “Vi que um avião em chamas em São Paulo havia saído de Porto Alegre. A nossa perda foi pública, em horário nobre”, lamenta.
Os encontros mensais da Afavitam, proporciaram um compartilhamento de emoções que só os integrantes conheciam. Anualmente, alguns deles ainda vão ao Largo da Vida, espaço construído próximo ao aeroporto, em Porto Alegre, para fazer homenagens aos entes queridos perdidos no acidente. “Com o tempo e o envelhecimento dos pais das vítimas, as reuniões ficaram mais virtuais, em grupos no WhatsApp. Para completar, veio a pandemia e um casal que era bem envolvido nestas ações acabaram falecendo de Covid-19. Mas sempre dou uma passada no Largo”, diz Roberto, que ainda embarga a voz para falar do irmão.
Glacy Falleiro, 74 anos, ainda tem dificuldades para falar sobre o assunto, mesmo 14 anos depois. Ela perdeu um filho, Anderson Luis Falleiro Cassel. “O tempo passa, mas as lembranças ficam. A saudade cada vez aumenta mais. Quando o dia 17 se aproxima, a tristeza começa a tomar conta da gente”, desabafa a moradora de Santa Cruz do Sul. Segundo a mãe do gerente de suprimento da empresa Mercur, ele estava no auge da sua carreira profissional e pessoal, aos 39 anos. “Residia em Venâncio Aires e viajou a serviço. Deixou uma filha linda, a Andrielle, que hoje está com 32 anos”, conta Glacy. A mãe de Anderson se agarra em uma força que sente receber dele e no amor pelos outros dois filhos e netos para seguir sua trajetória. “Até hoje, custo para aceitar. É muito difícil porque sempre falta aquele pedacinho que tinha que estar ali e não está. Foi um crime o que aconteceu”, afirma Glacy, que não gosta de ver cenas de incêndios nem pela televisão. “Meu filho sempre me cuidou e é uma luz onde está”, conclui.
A busca por um recomeço. Assim, o casal de professores Dario e Ana Scott se determinaram, após a perda de Thais, aos 14 anos. A família, paulista, morava no RS na época e a adolescente passaria as férias escolares com os avós. “Durante o ano, os piores meses são fevereiro, quando ela faria aniversário, e julho, quando ela foi…”, conta Dario, presidente da Afavitam desde o início. Eles decidiram reconstruir a vida e, por meio de fertilização, conceberam um casal de gêmeos, Tomas e Anna. “Eles vão fazer 11 anos no mês que vem. A Thais partiu, mas aprendemos que deveriamos viver uma nova vida, a partir de 18 de julho de 2007. Não é fácil, mas é como conseguimos fazer”, explica.
Culpados?
Após dois anos e meio de investigações da Polícia Federal, causas para a tragédia foram levantadas, mas ninguém foi apontado como culpado. Três pessoas foram indiciadas, o então diretor de segurança de voo da TAM, Marco Aurélio dos Santos de Miranda e Castro, o então vice-presidente de operações da aérea, Alberto Fajerman, e Denise Abreu, que na época era diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Todos inocentados.
Segundo o advogado Eduardo Lemos Barbosa, que defendeu oito famílias de vítimas, lembra que muita coisa mudou na aviação brasileira após o desastre. “Pistas aumentaram, o sistema de manetes do freio da Airbus, que eram um para frente, outro para trás, foi alterado, agora, os dois são puxados para trás. Sem falar nas exigências para voar, mais rígidas para melhorar a segurança”, conta o profissional, que escreveu o livro “A História Não Contada do Maior Acidente Aéreo da Aviação Brasileira”, com alguns bastidores do que presenciou.
Roberto Gomes, irmão do empresário Mario, resume a conclusão do inquérito com uma frase: “a Justiça só faltou condenar as famílias”. O sábado de 17 de julho de 2021 reserva homenagens com missas em Porto Alegre: às 15h30, na Igreja Santo Antônio, e às 17h, na Catedral Metropolitana, com transmissão on-line nas redes sociais.