Irmãos Miranda relatam à CPI pressão e suspeitas de corrupção na compra da Covaxin

Servidor Ricardo Miranda e deputado Luis Miranda, do DEM, depuseram como convidados na CPI da Covid nesta sexta-feira

Servidor Ricardo Miranda e deputado Luis Miranda (DEM) depuseram como convidados na CPI da Covid nesta sexta-feira | Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado/CP

O contrato de compra da vacina indiana Covaxin foi pauta, nesta sexta-feira, da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid do Senado Federal. Durante a tarde, os senadores receberam o chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Ricardo Miranda, e seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF). Este último que chegou à sala da Comissão usando um colete a prova de balas e com a bíblia em mãos.

Durante depoimento, Ricardo Miranda rebateu as acusações do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, de que ele e o irmão teriam fraudado as notas fiscais da compra da vacina indiana contra Covid-19 ao apontarem superfaturamento e corrupção nas negociações entre o governo federal e a farmacêutica.

Em sua apresentação sobre a cronologia da compra, Miranda mostrou a primeira “Invoice” (nota fiscal), que teria sido apresentada a seu setor no dia 18 de março sobre a vacina. “Invoice é uma nota fiscal, que descreve todo o material, a empresa, de onde vem, quem é o importador, que é o exportador, quem tá recebendo, todos esses dados”, explicou o servidor.

Neste momento, ele foi interrompido pelo relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). “Esses documentos eles confirmam a existência de 3 invoices, o que significa dizer em outras palavras que o ministro Onyx, o secretário-geral da presidência mentiu ao fazer aquelas acusações. É isso mesmo?”, perguntou. “Sim, inclusive no link dropbox, que não está mais disponível, no e-mail enviado pela empresa tinha essa Invoice. Novamente no dia 22 de março a empresa envia essa primeira Invoice em anexo”, respondeu Miranda.

Este documento teria os primeiros indícios de superfaturamento e de favorecimento à Covaxin, segundo o servidor, já que exigia pagamento adiantado de somente 300 mil doses. Além disso, um técnico avaliou que a empresa Madison Biotech, que constava neste primeiro arquivo como contratante, não era correspondente com as empresas que o governo federal estava negociando: Bharat Biotech e Precisa Medicamentos.

Neste arquivo, usado pelos irmãos para comprovar irregularidades na compra, a Madison aparece como destinatária de pagamento antecipado de 100% do contrato para as doses com valor unitário de US$ 150, totalizando US$ 45 milhões. Os representantes da Bharat e Precisa, porém, explicaram dias depois ao ministério que a Madison é encarragada de suas exportações. A informação constou na apresentação dos irmãos à CPI.

Bolsonaro prometeu pedir investigação à PF e teria mencionado líder do governo

Depois de suspeitarem da compra, o deputado e o servidor alegam que teriam se reunido no dia 20 de março com urgência com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ainda de acordo com eles, o mandatário teria se comprometido a pedir à Polícia Federal para investigar o caso. Neste encontro com o presidente, Luiz Miranda afirma que Bolsonaro havia citado o nome de um deputado governista como se ele pudesse estar envolvido na compra. “Isso é coisa do…”, alegou ter ouvido Miranda. O deputado insitiu, até quase o final da sessão, que não lembrava o nome mencionado pelo presidente no encontro. No entanto, após pressão dos senadores, Luiz Miranda confessou que se tratava do deputado federal Ricardo Barros, líder do governo, a pessoa citada por Bolsonaro.

Miranda ainda deu mais detalhes de como Bolsonaro teria reagido ao relato seu e de seu irmão na reunião de 20 de março. Para o deputado, o presidente deu a entender que estaria “amarrado” e sem “força de combater” o problema. “(Deu a entender) que nesse grupo específico não tinha a força de combater. Ele fala o nome, mas não tem certeza também. Fala assim: ‘Deve ser coisa de fulano (palavrão), mais uma vez… Vou acionar o DG da PF para investigar’. Não foi uma ação de conivência, foi de ‘Estou amarrado'”, disse Miranda.

Bolsonaro, por sua vez, reconheceu que se encontrou com o deputado, mas negou que teria recebido denúncias. “Foi uma coisa que aconteceu, ele não falou nada de corrupção em andamento. Tem nada, tem nada. Passaram quatro cinco meses depois que ele [Luis Miranda] conversou comigo – conversou sim, não vou negar isso aí – e não aconteceu nada”, afirmou durante uma live nesta quinta-feira.

Pressão para acelerar negociação

Ao ser questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre as pressões, o servidor apresentou mensagens recebidas em março pelo coronel Marcelo Bento Pires, então coordenador de Logística do Ministério, cargo subordinado à Secretaria Executiva, na época chefiada por Elcio Franco. O coronel cobrava o andamento da negociação. O servidor lembrou que, no final de março, a Anvisa negou certificado de boas práticas para Bharat Biotech, empresa indiana que produz a Covaxin.

Luis Ricardo Miranda afirmou que a licença de importação foi aberta no dia 24 de março, após correções no documento chamado “invoice”, que é a nota fiscal da compra. Ele, porém, não assinou a licença. De acordo com Miranda, quem assinou foi a fiscal do contrato, chamada de Ana Regina, apesar de o servidor ser o responsável por autorizar esse tipo de procedimento. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que a comissão precisa convocar a servidora para depor.

Na CPI, o servidor também relatou que recebia ligações do empresário Francisco Maximiano, sócio da Precisa Medicamentos, que intermediou a compra pelo Ministério da Saúde. Maximiano é alvo da CPI e foi convocado para depor na comissão e explicar a negociação com o governo Bolsonaro.

Investigação

Em depoimento, Luis Ricardo Miranda confirmou que se encontrou com o presidente Jair Bolsonaro ao lado de seu irmão, deputado Luis Miranda, para levar as suspeitas em relação ao contrato da Covaxin. “Ele disse que ia encaminhar à PF para investigar se havia algo ilícito na negociação”, disse Luis Ricardo.

O deputado Luis Miranda confirmou o compromisso feito por Bolsonaro. “O presidente falou com clareza que ia encaminhar o caso para a DG (Diretoria Geral) da Polícia Federal”, disse. Segundo Miranda, Bolsonaro teria mencionado que suspeitava de um deputado envolvido na denúncia. Miranda, contudo, disse não lembrar o nome do parlamentar citado pelo presidente.

Pazuello “previu” sua demissão

Segundo o deputado federal Luis Miranda, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello previu sua demissão poucos dias antes de ocorrer, por pressões políticas e de esquemas de corrupção. O encontro entre os dois teria ocorrido em março, durante transporte de vacinas em avião da FAB (Força Aérea Brasileira). “Ele olhou para minha cara, uma cara de descontentamento, e falou assim: ‘Luis, eu não duro mais nem essa semana, é certeza. Eu vou ser exonerado. Eu tenho conhecimento de algumas coisas, tento coibir, mas, exatamente por eu não compactuar com determinadas situações, é que, assim, eu vou ser exonerado'”, relembrou o deputado sobre encontro com o militar naquele mês.

Ainda de acordo com Miranda, ele teria então insistido para o então ministro não aceitar a situação, ao que Pazuello teria respondido com o desabafo sobre o suposto boicote que ele sofreu para desenvolver uma vacina nacional. “Ele mudou o assunto e falou assim: ‘Vou te contar uma historinha só da vacina’. Aí ele me conta a história que, desde o meio do ano passado, ele estava lutando para a gente lançar a nossa vacina. Então, ele foi travado diversas vezes, ele teve dificuldade pra poder trabalhar”, comentou.

Servidor envolvido em suposta proposta de propina é identificado

O servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda identificou nesta sexta-feira, à CPI da Covid, a identidade do seu colega na pasta que teria recebido pressão e até proposta de propina para agilizar o contrato pela compra da vacina indiana Covaxin contra a Covid-19.

O nome foi apresentado pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF), que interrompeu o depoimento de Miranda para citar um funcionário terceirizado do Ministério identificado como “Rodrigo de Lima”. “É isso, ele é terceirizado, mas eu não lembro de cabeça”, respondeu o depoente, ao que foi interrompido pelo senador: “Só porque foi com ele que eu tive umas informações sobre atenção especializada na Saúde”. “Então é ele mesmo, é ele mesmo”, confirmou o servidor. O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), anunciou em seguida que iria protocolar requerimento para convocação de Rodrigo de Lima para prestar depoimento à CPI.