Decisões bancadas quase que exclusivamente por municípios vão permitir que as populações das faixas etárias entre 59 e 18 anos em todo o país tenham uma perspectiva de quando poderão tomar a vacina contra o coronavírus. Após evidências em série de discrepâncias na identificação dos integrantes e no tamanho dos grupos prioritários estabelecidos no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19, o Ministério da Saúde deve divulgar nesta sexta-feira uma nova nota técnica. Nela estarão detalhadas regras da continuidade da vacinação por faixa etária para as pessoas com menos de 60 anos, de forma concomitante a dos grupos prioritários.
Com exceções pontuais, no RS a iniciativa ganha corpo após uma série de movimentos em cidades país afora, com maior visibilidade em algumas capitais, nas quais os gestores cruzaram dados e se deram conta de uma combinação importante de fatores sanitários e políticos. Esta combinação evidenciou que o ordenamento previsto continuava a deixar sem perspectiva de vacinação a médio prazo as pessoas com 45 anos ou mais, que seguem como as de maior risco tanto para hospitalizações como para óbitos, independente de profissão ou condição de saúde.
Também apontou que, na prática, em parte das cidades, os números dos grupos prioritários não condiziam com a realidade, por uma série de causas, a começar por falhas nos cruzamentos de bancos de dados. E, por fim, se mostrou uma forma de tentar estancar denúncias diárias sobre pessoas que estariam conseguindo a vacina após apresentarem documentos atestando sua preferência na fila quando, na verdade, essa preferência não existiria. Os questionamentos já aconteciam desde a definição sobre quais profissionais podiam fazer parte do grupo ‘trabalhadores da saúde’, e só aumentaram quando teve início a vacinação do grupo ‘comorbidades’.
“A vacinação por idade é mais fácil de controlar e mais rápido, inclusive, do que ficar exigindo documentos, investigar, pegar dados. Defendo que os estados tenham autonomia para decidir sobre os grupos prioritários, porque entendo que houve um equívoco do ministério na definição das prioridades”, afirma o coordenador de Vigilância em Saúde de Porto Alegre, Fernando Ritter.
O coordenador comemora ajustes que venham a ocorrer no ordenamento da segunda metade do Plano Nacional, de forma a alcançar novas faixas etárias mais cedo. “No meu entendimento, a partir de doenças crônicas, que é o grupo 14, poderíamos entrar com professores, população privada de liberdade e população de rua, e então retomar a vacinação para a população em geral a partir de 59 anos, baixando sucessivamente a faixa. Só que, em função das regras ainda em vigor, se eu fizer isso hoje, o Ministério Público vai impedir na hora”, explica.
Ritter admite que provavelmente uma parte das pessoas que se apresentou como hipertensa nos parâmetros estabelecidos, por exemplo, talvez não tenha esta condição, mas conseguiu a documentação comprobatória necessária. “Ao mesmo tempo, em função das exigências do ministério, acreditamos que parte dos hipertensos não se vacinou. Há também outras situações. Existem, por exemplo, deficiências permanentes para as quais não há qualquer critério epidemiológico que justifique um risco aumentado de agravamento da Covid-19”, explica.
No RS, a Capital, Porto Alegre, é um exemplo do aparente paradoxo que paira sobre as regras em vigor para a vacinação. Com a cidade perto de alcançar a marca de 500 mil pessoas que receberam a primeira dose, a administração municipal destaca o fato de estar sempre entre as primeiras colocadas no ranking das capitais com maior número de vacinados per capita.
Apesar disto, a cidade avança em ritmo bem mais lento do que outras grandes capitais quando o objetivo é alcançar a população em geral. Porque, em Porto Alegre, assim como no RS, os grupos prioritários projetados nos planos de vacinação municipal e estadual são tão numerosos que representam cerca da metade das populações totais. E, mesmo com as dúvidas que pairam sobre os quantitativos, eles seguem sem alteração por enquanto nos planos, balizando o ritmo da imunização.
Enquanto que no Brasil os grupos prioritários representam 36,58% da população total, no RS totalizam 46% e, na Capital, alcançam 52,63%. A justificativa mais utilizada, no Estado, é a de que existe uma parcela expressiva de habitantes com mais de 60 anos. Mas a faixa etária não responde sozinha pela proliferação de grupos preferenciais numerosos.
Em Porto Alegre eles somariam, segundo a última versão do Plano Municipal de Vacinação (que não contabiliza a quantidade de trabalhadores industriais), 783.353 habitantes, em um universo de 1.103.717 definido como ‘vacinável’ (o da população com 18 anos ou mais). Levando-se em conta os dados da base do Isper, Porto Alegre possui um contingente de 64 mil trabalhadores empregados nas indústrias de transformação, extrativa mineral, construção civil e serviços industriais de utilidade pública. Em resumo, consideradas as projeções atuais, mais de três quartos da população da cidade acima de 18 anos estaria em um grupo prioritário.
Na prática, contudo, já há um histórico de diferenças entre números projetados e as imunizações na ponta. No início da campanha em Porto Alegre, a cidade viu saltarem os números referentes a trabalhadores da saúde e idosos acamados, dois dos grupos do início da fila. De fevereiro para março o contingente de trabalhadores da saúde subiu de 82.464 para 114.407. O número de idosos acamados e pessoas com deficiência institucionalizadas, que a prefeitura, tomando dados da imunização contra a gripe em 2020, projetava ser de 16.548, passou para 29.528.
Na Capital o exemplo mais recente se refere ao grupo ‘comorbidades’, onde ocorreu o movimento contrário. O Plano Municipal projetou 192.446 pessoas com esta condição em Porto Alegre. A vacinação para este grupo teve início em 30 de abril. Em 12 de maio, contudo, a prefeitura ajustou a projeção no vacinômetro (o painel com dados da imunização que mantém na Internet), reduzindo-a em quase 100 mil pessoas, passando o total para 98.371. Destes, 97,77% tomaram a primeira dose até a manhã desta sexta-feira.
No RS, o Plano Estadual projetou 1.150.997 portadores de comorbidades. Até a manhã desta sexta, o vacinômetro da Secretaria Estadual da Saúde registrava a aplicação de primeiras doses em 543.449 deles. Mas a comparação dos números constantes no painel estadual e nos painéis de alguns dos maiores municípios do RS evidenciam uma defasagem significativa nos registros estaduais, o que não permite constatar ainda se o número de fato será inferior ao estimado.
Pelo país, as diferenças entre projeções e aplicações de doses, observadas na prática pela ausência de procura dos grupos ‘da vez’ por vacina, aumentaram a pressão de prefeitos para que o Ministério da Saúde considerasse a permissão da vacinação concomitante por faixa etária dos 59 anos em diante, de forma decrescente. Em Porto Alegre, a Secretaria da Saúde deve finalizar a quarta versão do Plano de Operacionalização da Vacinação na próxima semana. Nela constarão os ajustes já consolidados.
Pelo país
Em 12 de maio o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), anunciou um cronograma de vacinação para toda a população acima de 18 anos até outubro. A vacinação escalonada por faixa etária começará na próxima segunda-feira, 31 de maio, pelas mulheres com 59 anos de idade.
Em 19 de maio o governador de São Paulo, João Dória (PSDB), anunciou para julho a vacinação de pessoas de 55 a 59 anos sem comorbidades. Pessoas de 45 a 54 anos vão se vacinar em agosto.
Em 21 de maio a prefeitura de Salvador, capital da Bahia, comandada por Bruno Reis (DEM), anunciou o início da vacinação para pessoas com 57 anos ou mais. No dia 17 de maio a prefeitura de Curitiba, capital do Paraná, comandada por Rafael Greca (DEM), deu início a vacinação de professores e trabalhadores da educação básica a partir de 59 anos, escalonada por idade.
Em Recife, capital de Pernambuco, o prefeito João Campos (PSB) deu início a vacinação de professores e trabalhadores da Educação com mais de 40 anos ainda em 29 de abril. Na quinta, 27 de maio, o governador Paulo Câmara (PSB) anunciou o início da vacinação de pessoas com 59 anos, sem comorbidades, e ampliou a imunização para mais 14 grupos do Plano Nacional.
Em 27 de maio o governador do Ceará, Camilo Santana (PT) anunciou o início da vacinação de professores no estado. No dia 24 de maio a capital, Fortaleza, comandada por José Sarto (PDT), começou a quarta fase do plano de imunização local, com a vacinação da população de rua e de pessoas privadas de liberdade.
Em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, comandada por Marquinhos Trad (PSD), a vacinação de pessoas com 59 anos completos começou no final de abril. Diferentes grupos do Plano Nacional são imunizados por faixa etária, de forma concomitante.