Trabalho no pós-pandemia será híbrido, flexível e conectado

À medida que o fim da pandemia se avizinha, tanto empresas quanto funcionários vão voltar, lentamente, para uma situação intermediária.

Foto: PIXBAY / R7

Exigências dos tempos de pandemia, o longo período de isolamento, as restrições de circulação e as novas regras de convívio social transformaram para sempre os modelos convencionais de trabalho. De uma hora para outra, empresas e trabalhadores tiveram que virar a chave e criar jeitos diferentes de executar tarefas e se relacionar no ambiente profissional. Após mais de um ano de crise sanitária, especialistas de diferentes áreas convergem para uma mesma perspectiva: o trabalho pós-pandemia será híbrido, flexível e conectado.

Para entender essa projeção, é preciso retroagir ao primeiro efeito da pandemia no trabalho, que foi a adoção do home office em todas as atividades que permitiram o formato. No Brasil, segundo a Pnad Covid-19 do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 9,1% dos trabalhadores estavam atuando de forma remota em novembro de 2020, o equivalente a 7,3 milhões de pessoas. O índice subiu para 28,7% entre os brasileiros com nível superior completo ou pós-graduação.

Entre as empresas, pesquisa realizada pelo ADP Research Institute em dezembro de 2019, ou seja, antes da pandemia, apontou que  somente 25% delas contavam com políticas de home office formalizadas. Em maio de 2020, novo levantamento revelou que 44% das organizações tinham adotado modelos de teletrabalho.

“A partir daí, pudemos ver um número cada vez maior de acordos coletivos com cláusulas específicas sobre teletrabalho. Na América Latina, alguns países inclusive já publicaram legislação específica, como a Argentina”, explica Mariane Guerra, vice-presidente de Recursos Humanos da ADP na América Latina.

Mariane acredita que, à medida que o fim da pandemia se avizinhe, tanto empresas quanto funcionários vão voltar, lentamente, para uma situação intermediária. “Modelos de trabalho híbridos devem prevalecer. Além disso, tenho a impressão de que a força de trabalho eventual deve ganhar força”, afirma.

Segundo a executiva de RH, com as recentes políticas de flexibilização de jornadas e salários, as pessoas se deram conta que não existe 100% de estabilidade mesmo nos modelos tradicionais de trabalho. “Isso pode tornar alguns trabalhadores mais corajosos para empreender”, diz Mariane.

‘Coisa do passado’

Para os especialistas, novas formas de encarar o trabalho, mesmo remotamente, devem dar o tom no pós-pandemia. Segundo o professor André Miceli, coordenador do MBA de Marketing e Negócios Digitais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), até o modelo de home office “engessado” que conhecemos na pandemia é “coisa do passado”.

“O que vem para ficar ficar é o trabalho híbrido. E não necessariamente em casa, mas sim em qualquer lugar. Viajando, num café, na casa do colega. Conectado, o funcionário pode trabalhar de onde quiser, seguindo o modelo ‘anywhere work’ (ou ‘anywhere office’), uma tendência da cultura organizacional. Por meio dele, o mundo inteiro vira uma opção.”

Miceli coordenou uma edição especial sobre home office para a publicação de tecnologia e negócios MIT Technology Review Brasil. O levantamento, realizado em dois momentos (abril de 2020 e dezembro de 2020), ouviu cerca de 2 mil pessoas que adotaram o teletrabalho. Entre achados interessantes, o estudo apontou os dois principais problemas enfrentados na modalidade.

Senso de pertencimento

A primeira grande dificuldade detectada no home office foi o prejuízo ao senso de pertencimento. “Os funcionários, especialmente aqueles contratados durante a pandemia, demoram para se sentir parte da organização”, explica Miceli. “O senso de pertencimento é fundamental para a construção de cultura. Uma empresa sem cultura é mais fraca. Os líderes terão, portanto, que construir redes para que esses grupos tenham a cara da empresa.”

Outra queixa dos funcionários foi a dificuldade de estabelecer um senso de confiança entre a equipe, um atributo importante para a produtividade. “Não tem mais cafezinho, não tem corredor, almoço ou happy hour. Os colegas só se encontram no zoom e perdem a oportunidade de criar vínculos sociais”, diz o professor da FGV. “O desafio do líder será, portanto, criar situações que façam com que as pessoas se conheçam, para criar esse senso de confiança entre elas.”

Rendimento do profissional está atrelado a sua personalidade

A pesquisa coordenada por Miceli mostrou, ainda, que a performance no trabalho remoto está diretamente relacionada a traços de personalidade. “Funcionários mais conscienciosos, do tipo disciplinado, têm mais facilidade no formato, assim como indivíduos com maior abertura a situações novas”, diz. “Já pessoas extrovertidas não performam tão bem, pois sentem falta do convívio com os colegas.”

O modelo híbrido, que mistura espaços de trabalho corporativos e home office, numa frequência de 1 ou 2 dias em casa e o restante da semana no escritório, foi considerado o mais adequado por 100% dos entrevistados na pesquisa da MIT Technology Review Brasil. Para Miceli, chama a atenção o fato de que mesmo os jovens com até 25 anos, grupo supostamente mais afeito à conectividade, façam questão de manter o trabalho presencial algumas vezes por semana.

O professor da FGV lembra ainda que, embora o home office pareça uma alternativa muito econômica para as empresas num primeiro momento, isso não é necessariamente verdadeiro. “Em geral, os funcionários trabalharam com seus próprios equipamentos eletrônicos, suas cadeiras, seu plano de internet”, diz.

“Mas existe uma pressão social para que isso seja organizado, o que pode trazer uma instabilidade para o modelo que se estabeleceu. Quando o sistema jurídico organizar o trabalho remoto, definindo, por exemplo, que as empresas devem equipar os espaços por sua conta, pode não ser uma opção tão atrativa.”