Promete gerar polêmica e exigir tempo a proposta apresentada pelo governador Eduardo Leite (PSDB) nesta quinta-feira, de vender 70% das ações da Corsan em bolsa. À tarde, após o anúncio de Leite, o secretário chefe da Casa Civil, Artur Lemos, classificou o processo de privatização da companhia de saneamento como um caminho “longo e difícil” e evitou estimar prazos no Legislativo. Antes de anunciar o intento do Executivo nas redes sociais, na hora do almoço, Leite apresentou a ideia e a forma como o governo pretende encaminhá-la à líderes de bancadas e de partidos da base aliada no Legislativo. Lemos admite que os parlamentares são “sensíveis”, mas que muitos querem aprofundar as discussões a respeito do tema e desejam informações mais detalhadas.
As movimentações políticas prévias do Executivo deixam evidente que, apesar de utilizar como justificativa as regras do novo marco legal do saneamento para apresentar a proposta de privatização, o governo gaúcho já tinha um roteiro pronto a ser seguido. Com antecedência, procurou pelo deputado Sérgio Turra (PP), autor da proposta de emenda à Constituição (PEC) que derruba a necessidade de plebiscito prévio no qual a população decide sobre privatizações ou não de empresas com a totalidade ou parte de capital público. A proposta de Turra está em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa desde 2019. Nesta quinta, pouco antes do anúncio de Leite, o deputado solicitou preferência na apreciação, o que significa que o parecer do relator será incluído na pauta da próxima reunião do colegiado, na terça-feira, 23. Os emissários do Executivo também já conversaram com o relator na CCJ, deputado Elizandro Sabino (PTB) que, ainda em 2019, emitiu parecer favorável à PEC.
Agora o relatório deve ser lido e votado na CCJ. Para ambas as ações é necessário que o relator esteja presente. Para aprovação são necessários sete dos 11 votos na Comissão. Um número inferior a sete (a favor ou contra) faz com que o texto seja redistribuído para novo parecer entre os que, na votação, tenham formado o bloco majoritário.
Em tese, o governo está em situação confortável na CCJ. Parlamentares de siglas que integram a base aliada ou que em geral votam com o governo representam nove dos 11 votos. A oposição de fato é composta pelo PT e o PDT, cada um com uma cadeira. A oposição pode pedir vista, mas, como se trata de PEC, ela é coletiva, e tem prazo de duas horas. Sendo assim, o recurso tende a, no máximo, adiar a votação em uma semana.
Após passar pela CCJ, a PEC segue para as comissões de mérito, com prazo de apreciação de 10 dias. Depois, o texto precisa ser incluído na ordem do dia para que possa seguir para apreciação em Plenário. A inclusão na ordem do dia depende de articulações entre os líderes das bancadas no Legislativo. Em Plenário, como se trata de uma emenda à Constituição, são necessários os votos de 33 dos 55 deputados, em dois turnos de votação.
Só depois que a PEC for aprovada é que o Executivo deverá enviar para a Assembleia um projeto de lei que, aprovado, autoriza a privatização. Este projeto ainda não traz a modelagem da venda, que é concluída posteriormente. Segundo Lemos, para a modelagem, o Executivo tem como paradigma a BR Distribuidora.
Apesar da aparente folga do governo, a oposição promete se movimentar intensamente para barrar a privatização. Ainda nesta quinta o líder da bancada do PT, deputado Pepe Vargas, destacou que o marco regulatório do saneamento não determina privatizações e estabelece metas que vão muito além da administração Leite. “O marco regulatório é uma desculpa para o governador fazer estelionato eleitoral. Prometeu que não venderia a Corsan e o Banrisul e agora tenta fazer. Como isto é algo imperdoável, esperamos que a base aliada o auxilie a cumprir o que prometeu”, disse. O petista, que ocupa assento na CCJ, considerou que a proposta vem no pior momento possível. “Ao invés de ir atrás de vacinas, porque sequer um pré-contrato para aquisição tem com qualquer laboratório, o governador está preocupado em vender patrimônio público.”