Nesta terça-feira (9), pela segunda vez em pouco mais de um ano, o Senado dos EUA vai se reunir para julgar um processo de impeachment contra Donald Trump. Será, no entanto, a primeira vez na história norte-americana que um procedimento desses acontece depois que o presidente já deixou o cargo.
Nas outras três vezes — com Andrew Johnson, em meados do século 19, Bill Clinton, em 1999, e o próprio Trump, no ano passado —, o presidente ainda estava na Casa Branca. Outro traço em comum: todos eles foram absolvidos, por conta da regra que prevê que é necessário que dois terços dos senadores votem pela condenação. Johnson, por exemplo, foi absolvido por um voto.
Trump desta vez é acusado de “incitar uma insurreição”, por ter insistido em uma fraude eleitoral jamais comprovada e ter incentivado seus seguidores, em um comício perto da Casa Branca no dia 6 de janeiro, a “tomarem o poder”. Uma multidão saiu desse evento e invadiu o Capitólio, sede do Congresso, enquanto os votos do Colégio Eleitoral eram contados, causando cenas de violência que terminaram com 5 mortos, dezenas de feridos e centenas de pessoas presas.
Durante o julgamento, os 100 senadores farão efetivamente o papel de um júri. Nove democratas da Câmara dos Representantes farão a acusação. Trump será defendido por advogados pessoais, contratados na última semana, após confusões em torno de qual será a estratégia para que ele seja absolvido.
Por conta do bipartidarismo e do fato de o Senado ter suas cadeiras divididas igualmente, 50 democratas e 50 republicanos, a conta para condenar Trump é complicada. Pelo menos 17 membros de seu partido teriam de se voltar contra ele para que isso acontecesse. Uma vez condenado, outra votação, desta vez por maioria simples, pode tirar seus direitos políticos.
“Acho que os republicanos não vão se colocar contra ele publicamente. Trump ainda é uma potência eleitoral e muitos senadores têm medo de perder os votos trumpistas, especialmente os senadores que concorrem nos midterm [eleições de meio de mandato, marcadas para 2022]”, afirma o professor Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV-RJ.
Trump está longe de ser uma unanimidade em seu partido, mas ainda carrega um importante capital eleitoral, especialmente após receber 74,2 milhões de votos. O episódio da violência no Capitólio, no entanto, fez com que alguns dos líderes republicanos, como o senador Mitch McConnell e a congressista Liz Cheney, se afastassem dele.
Algo que mostra a dificuldade de condenar o ex-presidente é o fato de que uma moção proposta pelo senador Rand Paul, questionando a constitucionalidade do impeachment após a saída de Trump do cargo, teve 45 votos a favor e 55 votos contra, os 50 democratas mais 5 republicanos. Não se sabe ainda se a defesa irá usar essa questão como estratégia ou se seguirá insistindo numa suposta fraude eleitoral.
“Faz mais sentido para eles tentar isolar o trump por fora, deixar essa história morrer e não dar mais espaço. Votar a favor dele nessa questão técnica é mais fácil do que votar contra na questão moral, de responsabilizar pela invasão. Faz sentido pra eles inocentar o Trump e não se comprometer em endossar a violência”, analisa Paz.
Para ele, mesmo com a dificuldade para condenar Trump, colocá-lo no banco dos réus — mesmo que figurativamente, já que o ex-presidente se recusou a testemunhar no julgamento — faz parte de uma estratégia para tentar minar sua força política.
“Mesmo com essa dificuldade, os democratas levaram o processo adiante por dois motivos. Primeiro, porque é a função deles, se houve um crime, deve haver o julgamento. Além disso, mesmo perdendo a eleição, Trump teve uma votação expressiva, querem desgastar a imagem dele. Se conseguirem condená-lo, vai ampliar esse desgaste”, afirma.
O primeiro impeachment de Trump, no qual ele foi acusado de abuso de poder ao pedir que a Ucrânia investigasse possíveis crimes de Hunter Biden, filho do atual presidente Joe Biden, levou cerca de três semanas. Os republicanos, que então tinham maioria na casa, barraram todos os pedidos de inclusão de provas e testemunhos, e absolveram o então presidente.
Desta vez, é mais difícil prever quanto tempo o julgamento vai levar. “Acho que vai ser relativamente rápido, se a defesa optar por bater na inconstitucionalidade, tira a razão de ser do processo. Mas se insistirem numa fraude eleitoral, fica impossível saber”, avalia Leonardo Paz.