Só uma visitinha….

"Este jornal vai ser feito para toda a massa, não para determinados indivíduos de uma facção". Foto: Arquivo CP

Dentre as muitas “contações” de causos do Luís Augusto Fischer escolhi mais esta que é de “cabo de esquadra”.
O Doutor Voluntário levava no próprio nome a vocação. Trabalhava a maior parte do tempo de graça, não cobrava um tostão pelas consultas. Homem simples, sua principal preocupação era ajudar a comunidade que o acolhera há quase uma década. Media febre e pressão, examinava, costurava cortes graves, receitava remédios, fazia de tudo para ver a saúde de todos melhor. A única coisa que pedia em troca era um pouco de atenção. Solteirão, doutor Voluntário optou por dedicar seu tempo aos doentes e não à família, embora todos dissessem que ele também não era santo e tinha lá seus namoricos de vez em quando.
De manhãzita, o doutor acordava, vestia a bombacha que não combinava com o jaleco de médico, pegava sua maleta e visitava o primeiro paciente, depois o segundo, o terceiro e assim por diante. doutor Voluntário era um médico tão bom que a vila parecia curada de todos os seus males. Depois de um tempo, raramente alguém ficava doente e, quando havia um adoentado. ele socorria de imediato. Dito isso, fica mais ou menos claro que as visitas do médico eram mais para charlar do que para trabalhar. Suas aparições se tornaram tão frequentes que algumas pessoas começaram a ficar incomodadas com a assiduidade do médico.
Clap, clap, clap, doutor Voluntário batia palmas para avisar que estava em frente à casa. Nenhum morador atendia na porta. Cabisbaixo, seguia seu roteiro. ” Ô de casa!”, chamava para o outro vizinho, que também não atendia. Doutor Voluntário seguiu de portão em portão até que o sapateiro, cujo nome era Severo, recebeu finalmente o médico, que não se conteve de tanta faceirice. Não havia doentes na casa de Severo, mas não importava. Doutor Voluntário fez um revisão completa em todos, uma consulta verdadeiramente preventiva: informou sobre os benefícios dos exercícios e da importância de tomar bastante água. Assim, todos viveriam muito, como o seu Longevo, que comemoraria 101 anos dali a um mês.
Severo foi ficando incomodado com Voluntário, que prolongava a charla. Falava e falava, até que anoiteceu, ficou para o café, para a janta e só saiu na hora em que as mulheres decidiram se recolher aos seus aposentos para dormir. Doutor Voluntário voltou para casa animado, e já deixou a valise perto da porta para recomeçar a rotina no dia seguinte.
No outro dia, enquanto ainda se barbeava, alguém bateu na porta. A visita inesperada era de Severo, que entrou sem cerimônia e se instalou na sala. Tirou os sapatos, colocou os pés no sofá, pediu um café e ficou comentando as notícias, que tinha escutado no rádio. Voluntário ia comentar também, mas Severo não dava deixa. Chegou a hora do almoço e, muito educado,Voluntário convidou Severo para ficar. Convite feito é convite aceito, e Severo foi ficando e falando. Tomou o café da tarde e a ceia. Voluntário chegou a cochilar, mas permaneceu com um bom anfitrião escutando, embora as tentativas de interagir fossem em vão. Perto de meia-noite, Severo comentou que estava tarde e que iria dormir. Voluntário respirou aliviado. Severo pediu-lhe um pijama emprestado.
Do dia seguinte em diante, após a partida do visitante, doutor Voluntário nunca mais foi na casa de Severo e torceu para que ninguém da família ficasse doente. Lembrou-se apenas de comprar uma lembrancinha para o aniversário do Seu Longevo.
São dessas “cosas” que se ‘assucedem’…Nem pela consulta gratuita o médico era bem-vindo….