Protesto na Cruzeiro cobra justiça após morte de líder comunitária durante abordagem da BM

Questionado pela família, laudo do IGP-RS aponta aneurisma cerebral como a causa do óbito

Foto; Ricardo Giusti/CP

As faixas com os dizeres “Vidas negras importam” voltaram a ser erguidas em Porto Alegre. Dessa vez, na zona Sul, em um protesto pela morte da servidora pública da área administrativa da Guarda Municipal Jane Beatriz Machado da Silva, de 60 anos, na manhã dessa terça-feira. Jane, que também era líder comunitária, morreu durante uma abordagem policial, ao tentar entrar em casa, na vila Cruzeiro, segundo relato dos parentes.

A manifestação, organizada pelo movimento União das Vilas, começou por volta das 18h30min e teve a participação de lideranças comunitárias, políticas, representantes de sindicatos e de entidades e de moradores locais e de outras regiões. O ato ocorreu no cruzamento das ruas Cruzeiro do Sul e Caixa Econômica, mesmo endereço em que, ontem, o Batalhão de Choque da Brigada Militar jogou bombas de gás para conter moradores que queimaram um carro e pneus na via, após a morte de Jane.

A manifestação pediu justiça em nome da líder comunitária, que segundo parentes teve a casa invadida de forma arbitrária pelos militares. Jane teve o corpo sepultado, na tarde dessa terça, no cemitério João XXIII. À noite, o Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul (IGP-RS) emitiu laudo que identificou o rompimento espontâneo de um aneurisma cerebral como a causa da morte da municipária. Não havia no corpo, segundo o exame, nenhum sinal de trauma capaz de levar a óbito.

Moradores e familiares contestaram o resultado. Irmão de Jane, o cuidador de idosos Nelson Machado da Silva, de 54 anos, considerou o laudo é “fraudulento” e disse que o cenário da casa foi modificado para manipular a ação que causou o óbito. “A vizinha me confirmou que ela tentou entrar na própria casa e o policial impediu com o cabo da arma, fazendo ela cair da escada”, disse. Silva ainda contou, citando testemunhas, que quando os policiais viram Jane desfalecida, a levaram na viatura e não esperaram pelo Samu, nem pelo IGP.

O líder comunitário e morador da Cruzeiro Lídio Santos ponderou que o resultado da perícia saiu muito rápido e disse desacreditar no teor divulgado. “A assessoria jurídica da Organização Não-Governamental Themis vai pedir a contraprova”, reforçou.

O integrante do Movimento Vidas Negras Importam, Gilvandro Antunes, frisou que as comunidades temem a polícia, que, nas palavras dele, tortura, humilha crianças, mulheres e homens por serem negros: “Estamos cansados e não vamos parar de lutar”, pontuou.

Para o diretor-Geral do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), João Ezequiel da Silva, a entidade acompanha o caso porque “uma municipária foi assassinada dentro de casa pela Brigada Militar”.

Dirigente do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública estadual, Aline Guimarães, explicou que participou do ato para garantir o direito de expressão dos manifestantes e evitar qualquer situação de violência.

A recém eleita vereadora do Partido dos Trabalhadores (PT) Laura Sito ressaltou que os policiais envolvidos devem ser identificados pela corporação. “Não pode invadir a casa de uma pessoa sem mandado judicial”, enfatizou.

Bruna Rodrigues, outra recém eleita vereadora do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), avaliou que “quando a Jane cai, toda a comunidade cai”.

O deputado estadual do PT e presidente da comissão de Segurança Pública e integrante da comissão e Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Jeferson Fernandes, disse que a comunidade teme se expor. “Durante o velório, vizinhos contaram que um grupo de três a quatro homens invadiram e quebraram a casa de Jane como forma de represália”. O deputado acrescentou que levou o fato a conhecimento da Secretaria de Segurança Pública e do Comando Geral da Brigada Militar.

Também presente ao ato, o ex-ministro e ex-vice-governador Miguel Rosseto (PT) reiterou o entendimento de que a violência da Brigada Militar precisa cessar dentro das vilas de Porto Alegre.

O que disse a BM

A Brigada Militar, que instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar o caso, emitiu mais uma nota oficial sobre a morte de Jane, na manhã desta quarta.

“A Brigada esclarece que os fatos estão sob apuração de IPM instaurado pelo Cmt do 1º BPChq. A informação conhecida é de que uma Patrulha recebeu denúncia de que ocorriam maus tratos a crianças na residência. Foi verificada a situação, mas sem evidências do denunciado. Uma moradora sofreu um mal súbito e foi socorrida pelos Policiais Militares até o Posto de Saúde da Cruzeiro, tendo como causa da morte o rompimento espontâneo de um aneurisma cerebral, conforme laudo do IGP”, postou a corporação.

*Com informações da repórter Taís Teixeira/Correio do Povo