Governo deixa contrato vencer e suspende exames de HIV, aids e hepatites virais no SUS

Teste é essencial para definir tratamento mais adequado para quem desenvolve resistência a algum medicamento

Foto: Saúde / Divulgação

O Ministério da Saúde deixou vencer um contrato e suspendeu os exames de genotipagem no Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas que vivem com HIV, aids (a doença causada pelo vírus) e hepatites virais, publicou hoje o jornal O Estado de S.Paulo. O teste é essencial para definir o tratamento mais adequado para quem desenvolve resistência a algum medicamento.

O contrato com a empresa que fazia esse exame venceu em novembro passado. Apenas um mês antes, em 7 de outubro, o ministério realizou um pregão para buscar nova fornecedora do serviço. O processo, porém, fracassou após a empresa vencedora não anexar todos os documentos exigidos pelo edital. O ministério prevê realizar novo pregão nesta terça-feira. Se houver vencedor no certame, a expectativa é retomar o serviço apenas em janeiro.

Em nota distribuída a serviços de saúde no último dia 3, o ministério afirmou que vai fazer esse exame apenas para crianças com menos de 12 anos e gestantes que vivem com HIV e aids. Já os pacientes de hepatite C devem receber os medicamentos velpatasvir e sofosbuvir, que são mais eficazes e permitem dispensar a genotipagem. O HIV é o vírus causador da aids, doença que ataca células do sistema imunológicos. Ter HIV, porém, não significa que a pessoa vai obrigatoriamente desenvolver aids.

Grupo avalia ir ao Ministério Público
Conselheiro Nacional de Saúde e representante da Articulação Nacional de Luta contra a aids (Anaids), Moysés Toniolo disse ter sido pego de surpresa pela interrupção dos exames de genotipagem. Ele disse que a pasta não informou quantos pacientes dependem hoje desse serviço.

A Anaids estuda levar o caso ao Ministério Público Federal (MPF), segundo Toniolo. “Temos um contingente de pessoas que há anos usa a terapia e pode precisar desse exame para continuar a viver”, afirmou ele.

Toniolo avalia que há um “desmonte” de políticas para pessoas que vivem com HIV, aids e hepatites virais no governo Jair Bolsonaro. Ele lembra que, quando ainda era deputado, Bolsonaro disse ser contra o custeio do tratamento dessas doenças pelo SUS. “Problema é dele (o paciente)”, declarou o atual presidente em entrevista ao programa CQC, da TV Bandeirantes, em 2010.

Professor titular de medicina na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Marcelo Simão Ferreira considera que não deve haver prejuízo expressivo a pacientes de hepatites virais, pois há medicamentos que servem para todos os genótipos da doença. “Agora, para o HIV vai fazer falta. A genotipagem do HIV avalia a sensibilidade do vírus às várias drogas que nós temos”, disse ele.

Professor de infectologia da Universidade Federal de São Paulo (USP) e membro da SBI, Paulo Abrão adverte que a falta do exame pode comprometer “gravemente” a saúde dos pacientes de HIV. Ele fala que é preciso planejamento para evitar a descontinuidade de serviços desse tipo, além da perda de direitos conquistados pelos pacientes. Abrão admite, porém, que é “razoável” a solução do ministério para o tratamento de hepatite C.

Procurado pelo Estadão, o Ministério da Saúde não se manifestou até o momento.