Caso João Alberto: funcionários legitimaram agressões, avalia delegada

Conduta de omissão também contribuiu para o assassinato da vítima, entende Roberta Bertoldo

Foto: Reprodução/Record TV

A polícia vai investigar a conduta de funcionários que não se manifestaram contra as agressões de dois seguranças que espancaram até a morte o cliente João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, no estacionamento do hipermercado Carrefour, em Porto Alegre, na noite dessa quinta-feira. A dupla, presa em flagrante, vai responder por homicídio triplamente qualificado. Como João era afrodescendente, o caso repercutiu e motivou protestos em em todo o país na data que marca o Dia da Consciência Negra.

“Outras pessoas do supermercado vieram até ali, nada fizeram. Ou seja, contribuíram para que esse desfecho viesse a se dar, sob a alegação de que aguardavam a Brigada Militar comparecer ao local”, avalia a delegada responsável pelo caso, Roberta Bertoldo, em entrevista ao Balanço Geral, da Record TV.

Segundo a delegada, funcionários chegaram inclusive a ameaçar quem fazia o registro das agressões pelo celular. “Não impediram as agressões e mais: ameaçaram pessoas que estavam ali no entorno, outros clientes, outros prestadores de serviço, que filmavam as cenas e exigiam explicação daquilo que estava acontecendo, pediam que isso não se desenvolvesse.” A conduta de omissão também contribuiu para o assassinato da vítima, entende a delegada.

Roberta Bertoldo disse, ainda, que funcionários do mercado, em resposta aos apelos, alegaram que a vítima havia agredido outros clientes, o que ainda não é confirmado pela polícia. “Suspeitamos que este fato não tenha ocorrido pela forma como ele vinha sendo conduzido ao estacionamento, de forma tranquila, sem qualquer alteração entre as partes”, afirmou.

A delegada considerou a existência de três grupos no local do crime: o dos seguranças, que agrediram a vítima, o dos que ficaram em volta tentando dissuadir o ato, e o de funcionários do mercado que nada fizeram, justificando o ato como algo necessário. “Aquela conduta é completamente desnecessária, abusiva, tão abusiva que veio, de forma irracional, a causar a morte desse homem”.

“Todos os funcionários do supermercado que estavam no entorno da vítima e dos seguranças naquele momento serão responsabilizados na medida em que suas condutas contribuíram ou não para aquele desfecho”, acrescentou a delegada.

A polícia investiga também a hipótese de morte por asfixia. Para isso, é aguardado o resultado da necropsia do Instituto Geral de Perícias, que preliminarmente apontou para essa possibilidade.

Segundo a delegada, os peritos que estiveram no local do crime identificaram sinais de asfixia. Isso não significa necessariamente que João Alberto tenha sido esganado ou estrangulado, detalha Bertoldo. “Durante as agressões a essa vitima, a custodiaram deitada, ficaram sobre ela um determinado tempo e isso pode ter feito com que ela tenha tido dificuldade de respirar e, portanto, viesse a asfixiar.”

Segundo ela, porém, a causa da morte não provoca alterações nas investigações. “Não significa, se a causa for asfixia ou ataque cardíaco ou traumatismo craniano, que venha a mudar o fato que foi acontecido, que foi o homicídio doloso”, completa.

Empresa regular, mas sem vínculo com agressores

A Polícia Federal do Rio Grande do Sul emitiu um parecer sobre a morte de João Alberto, explicando a situação da empresa de segurança privada que emprega dois dos envolvidos nas agressões e no assassinato. De acordo com a PF, a companhia tinha situação regular junto ao órgão e havia sido fiscalizada em fim de agosto.

Um dos homens que aparece agredindo João Alberto é vigilante profissional, com Carteira Nacional da categoria, o que autoriza a abordagem de contenção. No entanto, a corporação alertou não ter o registro do vínculo dele com a companhia contratante. Dessa forma, o agressor teve o documento suspenso.

O segundo homem que também participa do crime não tinha carteira de vigilante. Por conta do episódio, a PF vai realizar uma nova fiscalização na empresa de segurança. Se irregularidades forem encontradas no local, a PF pode autuar o estabelecimento e suspender o funcionamento.

BM abre processo disciplinar demissionário contra PM

Na Brigada Militar, o comandante-geral, coronel Rodrigo Mohr Picon, confirmou a abertura de um processo administrativo disciplinar demissionário em relação ao PM temporário que participou, com outro segurança, da morte de João Alberto.

“Fomos acionados através do 190 e encontramos o senhor já desacordado e o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) iniciando o atendimento”, esclareceu. “Inicialmente tínhamos uma versão do pessoal do supermercado. Quando recebemos informações e vídeos, os envolvidos foram presos em flagrante delito”, ressaltou. “É um processo sumário”, assinalou.

O policial militar temporário está recolhido no presídio militar da BM. Trata-se de um egresso das Forças Armadas que passou na seleção. Conforme o coronel Rodrigo Mohr Picon, um policial militar temporário executa apenas “serviço interno e administrativo, videomonitoramento, guarda de quartel, liberando nosso efetivo de carreira para o policiamento na rua”.

Para o coronel, os seguranças erraram em imobilizar e agredir a vítima, em vez de chamar a BM. “Eles já tinham retirado a vítima de dentro do supermercado. Ali deviam chamar a BM e aguardar”, concluiu.