Reunião de esquerda via-se há léguas que não era. Primeiro, pela retórica: não se ouviam expressões peculiares, do tipo – “núcleos de base”-, “nós enquanto sindicato”, ou “vai-pra-Albânia-xiita”. Depois pela práxis. Havia uma espécie de interação entre a mesa e o plenário. Uma certa indisciplina saudável.
-“Companheiros e…”
– Entre vaias e “putiadas”, o orador se penitenciou, imaginando o que sucederia se ele tivesse dito : “camaradas”. Cruz Credo – sentiu um calafrio: capadura na certa! Aí, vaqueano, improvisou”:
– “Produtoras e Produtores”
-Isso me lembra alguma coisa?!- disse um.
– É o estilo Sarney Country. –rebateu outro.
– “Estamos sendo vítimas de abominável discriminação. O poder se agiganta e nos sufoca, impedindo o pleno e sagrado direito de cidadania. Somos as novas vítimas da exclusão social, da tirania globalizante…”
– Quem escreveu isso!
– Foi o guri dele. Ta na faculdade… sociologia.
– Dizem que ele é da DS!
– “Quequiéisso”?
– Direita “ Socialaite”.
– Deve ser meio “cumunista”.
– e a Fênix renasce das cinzas. Está se espraiando um movimento que subverte a ordem social, priorizando os pequenos produtores. É o que chamam de socialismo moreno, de bigode, de estatura média…!
– Eu sou contra o socialismo. – esbravejou aquele grande latifundiário, produtor de grãos e de obviedades.
– Eu sou um pequeno produtor.
– Cala a boca, João Petiço.
– “…forças ocultas tentam inverter a pirâmide social, com a ascenção de uma nova classe dominante…”
– Isso é um ultraje, usurpadores ! – berrou o “ Doutor”, conhecido criador de manga-larga.
– É “cumunismo”! – fez coro aquele criador de Hereford.
– Isso é uma vergonha ! –gritou o velhinho com cara de padre e boca de “chupá ovo ! – notório criador de casos. Aliás, ninguém sabia o que fazia ali.
– “…os poderosos invadem nossas terras, sonegam incentivos, ameaçam nossos “Papagaios, inviabilizando a atividade e empobrecendo nossa classe…”
– Mas, e o meu status? Como manter o meu padrão de vida?
– E a picanha “nostra” de cada dia, como é que fica?- reclamou o hedonista.
– A situação está feia, não dá mais pra se manter uma china de classe ! Eu mesmo troquei uma argentina legítima por uma paraguaia !
– “…criam leis contra os lucrativos transgênicos, sobem os juros, vasculham nossos campos e estipulam padrões de produtividade. Como se a gente pudesse criar bois empilhados uns em cima dos outros…”
– Só falta sugerirem que se ponha um boi no colo do outro!
– “…é por isso que devemos nos manter unidos, usando de todos os meios em defesa da classe, não descartando, inclusive, um novo boicote…”
– Eles se bobeiam e eu faço a próxima Expointer lá no jardim da minha casa de praia – pacholeou um cabanheiro visionário.
– Mas tu ta louco.. e a trabalheira ?
– E a burocracia ??
– E o bosteeeedo ?
– “… vamos boicotar tudo, desobedecer às leis, calotear os bancos e, se for preciso, vamos incitar os touros a uma greve geral”.
– Alguém me explique, por favor. Quer dizer que agora os comunistas somos nós?!
– …. e do “ovinocote”.
– E o meu status?
– E a minha picanha?
– E a minha china?
– “ A china nunca mais vi, neste meu gauderiar andejo…”*
*( Da poesia “O Bolicho”, do saudoso Jayme Caetano Braun-missioneiro que jamais boicotou a cultura gaúcha,conterrâneo de Edson Nunes Moreira, o autor deste causo.