Por 9 a 1, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram nesta quinta-feira suspender todo e qualquer ato do Ministério da Justiça de produção ou compartilhamento de informações sobre cidadãos supostamente relacionados ao “antifascismo”. Pelo entendimento da maioria, a pasta comandada pelo ministro André Mendonça fica proibida de levantar dados sobre a vida pessoal, escolhas pessoais ou políticas e práticas cívicas exercidas por opositores ao governo Bolsonaro que atuem “no limite da legalidade”.
A Corte julgou uma ação protocolada pela Rede Sustentabilildade. Os magistrados viram “desvio de finalidade” no episódio, concluindo que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) promoveu uma “devassa” ao coletar informações de 579 servidores públicos, como policiais e professores. As informações foram publicadas pelo jornal O Estado de S.Paulo.
Relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia já havia votado na última quarta-feira contra o monitoramento de opositores do governo. Pelo entendimento, relatórios de inteligência devem tratar de questões de interesse nacional e defesa das instituições. No mesmo sentido se manifestaram os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o presidente da Corte, Dias Toffoli.
Marco Aurélio divergiu e entendeu que o levantamento, além de lícito, também registrou movimentos de apoiadores do governo por motivos de segurança. Celso de Mello, em licença médica, não votou.
Com duros recados ao Planalto, a ministra Cármen Lúcia disse que o Estado “não pode ser infrator” , ressaltou que “não compete a ninguém fazer dossiê contra quem quer seja” e elogiou a imprensa, que revelou a existência do relatório. “O passado do Brasil condena em matéria de utilização indevida dos órgãos de segurança. Esse tipo de monitoramento para saber o que fazem eventuais adversários é completamente incompatível com a democracia. A menos que se tivesse qualquer elemento para supor que eles tramavam contra o Estado ou instituições democráticas. Mas se a preocupação fosse verdadeiramente essa, talvez fosse o caso de monitorar os grupos fascistas e não os antifascistas”, criticou o ministro Luís Roberto Barroso.
Na avaliação de Rosa Weber, relatórios de inteligência “não podem ter como alvo uma ideologia específica, ou sua ameaça, independentemente da ideologia que expressa”. “Em uma democracia, ninguém deve temer represálias por apenas expressar uma opinião, uma crença um pensamento não endossado por quem ocupa posição de autoridade. Um estado constitucional não admite que sejam as ações do estado orientadas pela lógica do pensamento ideológico”, frisou a ministra.
Para o ministro Edson Fachin, o direito à livre manifestação e o direito ao protesto, como o do movimento “antifascista” que pode ter levado à produção do relatório, não é infração penal e “não está, portanto, sujeita, seja à investigação penal, seja à atividade de inteligência”.
“A defesa da liberdade de expressão também é muito importante na atração dos investidores estrangeiros”, afirmou o ministro Luiz Fux, ao ressaltar os reflexos internacionais “quando se insinua esses relatórios que podem voltar nossa memória a um período bastante nebuloso”. “Uma investigação enviesada, que escolhe pessoas para investigar, revela uma inegável finalidade intimidadora do próprio ato de investigação. Esse efeito, como a própria ministra Rosa acaba de mencionar, de medo, efeito silenciador, inibe servidores públicos e professores e difunde, o que é pior de tudo, a cultura do medo. Esse relatório é a cultura do medo baseada em um nada político, em um nada jurídico”, completou Fux.
Já o ministro Ricardo Lewandowski frisou a importância de o STF estabelecer parâmetros claros à atividade de inteligência. “O que não se admite é que num Estado democrático de Direito se elabore dossiês sobre cidadãos dos quais constem informações quanto a suas preferências ideológicas, políticas, religiosas, culturais, artísticas ou, inclusive e especialmente, de caráter afetivo”, observou.
Ao votar, Alexandre de Moraes destacou que o dossiê contra servidores antifascistas lista, Estado por Estado, a relação de policiais supostamente opositores do governo. “Uma coisa é estabelecer, através de troca de informações, em tese, que há uma possibilidade de greve de policiais que possa gerar insegurança pública. Isso é importante nos relatórios de inteligência para se evitar o caos social. Uma coisa é a troca de informações, relatórios de inteligência para se verificar eventuais manifestações que possam interromper, como houve na greve dos caminhoneiros, o abastecimento. São fatos – você analisa fatos. Outra coisa é começar a planilhar, Estado por Estado, policiais militares, civis, que são lideranças eventualmente contra o governo, lideranças contra manifestações realizadas a favor do governo”, disse Moraes.
Ex-ministro da Justiça do governo Temer e ex-secretário de Estado do governo de São Paulo, Moraes disse que não importa se o policial militar, civil, rodoviário federal ou federal é “a favor politicamente A ou B, se vota em A, B, C, se professa determinada religião ou crença filosófica”.
Apesar de acompanhar a maioria, o presidente do STF Dias Toffoli elogiou a atuação do ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, e disse que ele se mostrou transparente ao encaminhar à Corte todas as informações solicitadas para o julgamento.
“Registro as menções feitas à atuação absolutamente correta do ministro da Justiça, André Mendonça. É necessário registrar, eu dou o testemunho de 20 anos que eu conheço esse servidor público da maior qualidade. Sua Excelência atuou da maneira mais correta e deu toda transparência a este STF”, disse Toffoli.