O Ministério Público do Rio Grande do Sul desencadeou nesta quinta-feira a operação Criptoshow cujo objetivo é desarticular organização criminosa que burlou um esquema de segurança digital de um banco e desviou R$ 35 milhões de uma grande indústria e da bolsa de valores. Com os valores foi realizada ainda uma lavagem de dinheiro com bitcoins. Houve o cumprimento de 13 mandados de busca e apreensão na região Metropolitana de Porto Alegre. O material apreendido será analisado para responsabilização dos integrantes da organização criminosa, recuperação dos valores subtraídos e identificação da participação de outras pessoas. A Brigada Militar participou da ação através do efetivo do 1º Batalhão de Polícia de Choque (1º BPChq).
Conforme apurou o MPRS, nos dias 15 e 16 de abril deste ano, foram desviados R$ 30 milhões da conta bancária de uma grande indústria por meio de 11 transferências eletrônicas para seis empresas localizadas em Porto Alegre e Cachoeirinha, São Paulo e Porto Velho, além do Estado de Rondônia. Conforme a investigação realizada pela Promotoria de Justiça Especializada Criminal, sob coordenação do promotor de Justiça Flávio Duarte, em parceria com o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) e com apoio do Núcleo de Inteligência (Nimp), o dinheiro foi desviado em operações realizadas por intermédio de sofisticada técnica realizada por outra empresa, com sede em Cachoeirinha, correntista do mesmo banco.
Modus operandi
A execução do furto iniciou com o acesso normal à conta bancária pelo internet banking, mediante login e senha de um dos investigados, quando foi realizada a programação de 11 transferências bancárias para seis destinatários, também pessoas jurídicas. Ao final da operação, por meio da fraudulenta manipulação da codificação do canal do internet banking, a conta indicada ao sistema para a efetuação do débito de R$ 30 milhões não foi a logada inicialmente, mas sim a conta da grande indústria. “Seria como se uma conta bancária corporativa tivesse invadido outra conta similar para emitir ordem de débito ao banco em favor de terceiros”, descreveu o promotor Flávio Duarte.
Uma empresa de Porto Alegre recebeu o maior montante do furto, totalizando R$ 14 milhões. Três empresas sediadas em Rondônia receberam juntas outros R$ 14 milhões. Além disso, uma empresa de São Paulo obteve R$ 1 milhão, mesmo valor recebido pela empresa de Cachoeirinha, que efetuou o desvio.
As investigações indicaram que se trata de uma organização criminosa integrada pelo correntista máster da conta bancária da empresa de Cachoeirinha, que comandou os desvios e até pouco tempo integrava quadro social da empresa beneficiada com R$ 1 milhão no esquema. Recentemente, a mesma empresa teve alteração no quadro societário, ingressando uma pessoa com padrão de vida incompatível com as operações da empresa, provavelmente um “laranja”. O MPRS identificou três ocorrências policiais em 2019 e 2020 contra o investigado por ameaça e apropriação indébita. O relato das vítimas era similar: teriam sido induzidas em erro a aplicar recursos, sem qualquer retorno, em uma empresa de investimentos.
Para o promotor de Justiça, está clara a existência do furto qualificado (mediante fraude) cometido em tese diante da sofisticação do modus operandi empregado e pelo número de envolvidos, por organização criminosa, integrada pelo operador do desvio e pelos sócios e representantes das empresas diretamente beneficiadas com os recursos desviados.
Lavagem de dinheiro com bitcoins
Conforme Flávio Duarte, de nada adiantaria aos agentes buscarem proveito financeiro com o desvio de R$ 30 milhões se já não tivessem em funcionamento um paralelo e previamente orquestrado mecanismo de lavagem de dinheiro, de ocultação e dissimulação da origem e destinação do patrimônio obtido com o crime. A própria utilização de empresas para dissimular os repasses já poderia configurar alguma modalidade de lavagem de dinheiro, mas a condição de alguns dos destinatários originais indica a possibilidade de que os repasses financeiros tenham persistido, para terceiros (pessoas físicas e jurídicas), dificultando ainda mais a localização dos ativos.
Em paralelo à apuração criminal do MPRS, a instituição bancária, que arcou com o prejuízo financeiro causado a sua cliente, buscou apurar o destino dos valores subtraídos. Nesse contexto, descobriu que uma exchange (corretora que faz intermediação de negociação para compra e venda de ativos virtuais) foi destinatária, no dia 16 de abril de 2020, de R$ 11.080.000,00, destinados à aquisição de bitcoins, oriundos justamente de três das cinco empresas beneficiadas com as transferências eletrônicas. No dia anterior, outros R$ 7.764.927,00, já haviam sido repassados por duas das empresas e revertidos em bitcoins, totalizando, assim, R$ 18.844.927,00.
O promotor Flávio Duarte destaca que é difícil localizar o patrimônio obtido com o crime que venha a ser revertido em criptoativos. Não há instituição alguma encarregada de realizar ou monitorar as transações. Existem somente as exchanges que atuam geralmente como intermediárias entre aqueles que compram e vendem bitcoins. Além disso, as transações de criptoativos se aproximam do anonimato já que a privacidade é uma das diretrizes básicas desse mercado. “Esse cenário beira a clandestinidade e assim se caracteriza como um ambiente propício para a lavagem de capitais”, afirmou.
Segundo furto
Durante as investigações, o MPRS descobriu uma nova operação de lavagem de capitais, consistente na aquisição clandestina de bitcoins pelas mesmas pessoas junto a uma exchange, no valor de R$ 5 milhões, mas a origem do dinheiro ainda era desconhecida. Conforme as novas diligências, o mesmo modus operandi empregado na subtração dos R$ 30 milhões foi utilizado também no dia 16 de abril contra outra empresa correntista, responsável pela bolsa de valores, lesada a partir de uma transferência bancária clandestina no montante de R$ 5 milhões.