Fundação Theatro São Pedro demite 32 trabalhadores

Presidente garante que desligamentos não tiveram relação com a crise gerada pela pandemia de Covid

Foto: Luciane Pires / Divulgação

A Fundação Theatro São Pedro confirmou, nesta quinta-feira, a demissão de 32 trabalhadores. De acordo com o presidente da entidade, Antônio Hohlfeldt, os desligamentos não tiveram relação direta com a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. De acordo com ele, o processo era antigo.

Hohlfeldt alega ter sido alertado, ao assumiu o cargo, em 2018, que a Associação Amigos do Theatro São Pedro fazia as contratações sem processos de licitação, o que é considerado irregular. “Já empurramos por um ano, venceu em maio do ano passado, conseguimos segurar por um ano”, explica.

Em nota oficial, a Fundação reitera a versão e observa que a licitação para preenchimento das vagas se divide em duas partes: uma para funcionários de serviços gerais, como seguranças e porteiros, que deve ter resultado em 15 dias, e outra para funcionários de palco, ainda em fase de preparação, com previsão de lançamento em breve.

O presidente da Fundação assegura que as contratações serão feitas, mas não garante que as vagas sejam preenchidas integralmente. “Estamos fazendo uma reavaliação de necessidades. Vamos preencher todas as funções, mas não necessariamente no mesmo número”, revela Hohlfeldt.

O meio artístico já reagiu. Um grupo de artistas divulgou uma carta de repúdio à decisão (veja abaixo). Entre os demitidos, havia profissionais com mais de 25 anos de casa. Para o presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio Grande do Sul (Sated-RS), Fábio Cunha, a decisão pelas demissões em meio à pandemia surpreende. “Nos pegou da noite para o dia de uma maneira muito negativa. Pelo menos que esperassem passar esse momento da Covid-19”, critica.

“Não havia como. Explodirmos todos os prazos, é uma questão administrativa”, reitera Hohlfeldt.

Veja a carta, na íntegra:

CARTA ABERTA DA CLASSE ARTÍSTICA GAÚCHA
AO GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO THEATRO SÃO PEDRO (AATSP).

A classe artística gaúcha e porto alegrense aqui representada por instrumentistas, cantores e cantoras, compositores e compositoras, técnicos de som e luz, roadies, roteiristas, escritores e escritoras, cineastas, atrizes e atores, diretores e diretoras, dançarinas e dançarinos, vem a público manifestar seu VEEMENTE REPÚDIO à demissão em massa ocorrida ontem, Quarta Feira, dia 06/05/2020, nos quadros técnicos e operacionais do Theatro São Pedro.
São mais de trinta profissionais extremamente qualificados, muitos com DÉCADAS de casa, que com o seu trabalho mantém o Theatro São Pedro funcionando em altíssimo nível, atendendo as mais elevadas exigências técnicas e operacionais de shows e espetáculos de circulação nacional e internacional, fazendo com que todos os gaúchos e gaúchas possam se orgulhar deste espaço cuja alma se nutre da abnegada atuação destes profissionais.
Acontece que, neste momento, é justamente destes profissionais o lado mais fraco de um impasse que lhes foge ao controle, entre o Estado do Rio Grande do Sul e a Associação Amigos do Theatro São Pedro (AATSP). No entanto, mais uma vez, é do lado dos mais fracos onde restam as baixas de uma briga alheia, vitimados pela perda de seus postos de trabalho SEM JUSTA CAUSA, em meio à pandemia do novo COVID-19 e todas as suas devastadoras consequências humanas e financeiras.
Aos atores deste impasse jurídico e burocrático não cabe aqui nosso julgamento. Do ponto de vista do Estado, sabemos que se impõem amarras burocráticas e toda a sorte de freios legais visando o zelo com o dinheiro público. Do ponto de vista da AATSP, evoca imediatamente a memória da querida e estimada Eva Sopher, fundadora desta Associação e dona de um lugar eterno no coração e na memória de todos e todas que são amantes da arte e da cultura sob o céu deste estado, ainda que paire sobre esta entidade todas as dúvidas de quem é acusado de ingerência e falta de transparência.
Neste cenário exigimos o bom senso, mas também outro tipo de senso: o de JUSTIÇA. Em que contribuiu o porteiro ou o maquinista, para que o Tribunal de Contas ou a CAGE ficassem descontentes com a falta de alguma documentação? Em que contribuiu o carregador ou o zelador, para a já antiga desarmonia institucional entre a Fundação TSP (Estado) e a AATSP?
Podem nos chamar de ingênuos. Podem dizer que carecemos entender a complexidade do funcionamento da máquina pública, mas ninguém se torna um artista sem enxergar o ser humano em primeiro plano. Disso entendemos. O que não podemos entender é como o Estado do Rio Grande do Sul e o Theatro São Pedro podem prescindir do valoroso trabalho desta equipe, trabalho do qual SOMOS TESTEMUNHA ao longo de décadas e, justamente por isso, cá estamos a cavar esta trincheira em nome de colegas e amigos da mais alta estirpe. Também não podemos entender o nível de escravidão que padecemos ante nossa própria burocracia a ponto de jogar mais de trinta famílias no desemprego e na incerteza sem que tenham cometido qualquer falta perante suas obrigações.
Vivemos dias de um tempo onde a vontade política momentânea proporciona, à luz do dia, verdadeira dança das cadeiras de cargos altíssimos na velocidade de uma “canetada”. Parece-nos, no entanto, claro e cristalino que a agilidade, precisão e poder de concretização destas decisões são forças que pesam apenas para o lado dos altos escalões, mas essa mesma força se esgota conforme desce em hierarquia, mostrando-se incapaz de intervir em favor do LADO JUSTO desta situação. A classe artística e a sociedade exigem uma resposta porque vidas estão em jogo, e vidas importam.
Neste sentido, que fique claro que qualquer outra resposta que não seja a IMEDIATA RESTAURAÇÃO DO TODOS ESTES POSTOS DE TRABALHO não será entendida e, mais importante, NÃO SERÁ ESQUECIDA, cabendo aos responsáveis por esta situação, que culmina neste cruel desfecho, o ônus da explicação e da solução.
Permanecendo o absurdo, só poderemos constatar que do português falado nesses corredores, palavras como povo, empatia, justiça e ser humano, tornaram-se outra coisa qualquer que não guarda mais seu significado real. Estamos de nossas casas mobilizados contra a ameaça do Corona Vírus e, de nossas mentes e corações, mobilizados contra a INJUSTIÇA e a DESUMANIDADE. Diante desses fatos, a classe artística NÃO VAI CALAR A BOCA.

PORTO ALEGRE, 07 de Maio de 2020.