Os desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, negaram, hoje, os recursos apresentados pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e mantiveram a sentença proferida pela Corte em novembro do ano passado, de 17 anos e um mês de prisão, em regime fechado. É a pena mais pesada imposta ao petista pela operação Lava Jato. Em nota, a defesa de Lula considerou a decisão “injusta”, “arbitrária” e “absurda”.
Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no processo que envolve um sítio em Atibaia, no interior paulista, que era usado pela família do ex-presidente. O recurso da defesa tentou reverter aspectos da sentença. Os desembargadores também negaram pedido preliminar da defesa de Lula, que buscou remarcar o julgamento para uma data futura, de forma a garantir uma decisão presencial sobre os recursos, e não remota. A análise do caso, em plenário virtual, começou na semana passada. “Essa situação, por si só, configura violação à garantia constitucional da ampla defesa e violação às prerrogativas dos advogados”, sustenta, em nota, a defesa do ex-presidente.
É a segunda sentença em segundo grau de Lula nos processos relacionados à Lava Jato, em Curitiba. Em janeiro de 2018, o mesmo TRF-4 condenou o ex-presidente a 12 anos de prisão no processo do tríplex do Guarujá (SP) e determinou a prisão do petista para início do cumprimento provisório da pena, assim que esgotados os recursos no tribunal. Mais tarde, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu a pena para nove anos, em julgamento no ano passado.
Lula ficou 19 meses preso, entre abril de 2018 e novembro de 2019, após a condenação em segunda instância do caso que envolve um triplex no Guarujá, no litoral paulista. No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal reviu o entendimento sobre execução de pena antes do trânsito em julgado (quando já não cabe recursos a tribunais superiores). Por conta da mudança jurídica, o petista segue respondendo aos dois processos em liberdade.
No caso do sítio de Atibaia, o presidente é acusado de ter, supostamente, recebido R$ 1 milhão em propinas via reformas na propriedade, em nome de Fernando Bittar, filho do amigo de Lula e ex-prefeito de Campinas, Jacó Bittar.
A Lava Jato apontou que o sítio passou por três reformas: uma sob comando do pecuarista José Carlos Bumlai, no valor de R$ 150 mil, outra da Odebrecht, de R$ 700 mil, e uma terceira reforma na cozinha, pela OAS, de R$ 170 mil. Os pagamentos, segundo a força-tarefa da Lava Jato, tiveram relação com negócios na Petrobrás e os caixas de propina acertados entre as empreiteiras e o PT. Já a defesa de Lula garante ter provado que os R$ 700 mil citados no processo foram sacados em favor de um executivo da própria empreiteira.
Leia, na íntegra, a defesa de Lula:
Em relação ao julgamento virtual finalizado hoje (06/05/2020) pela 8ª. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (“embargos de declaração” – Autos nº 5021365-32.2017.4.04.7000/PR), reforçamos o caráter injusto e arbitrário da decisão que manteve a condenação do ex-presidente Lula, originariamente imposta por sentença proferida por “aproveitamento” de outra sentença proferida pelo ex-juiz Sergio Moro – que também foi o responsável pela instrução do processo com a parcialidade que sempre norteou sua atuação em relação a Lula, como sempre demonstramos e como foi reforçado pelo escândalo da Vaza Jato. Esclarecemos ainda que:
1 – É sintomático que o TRF4, após ter julgado o recurso anterior (apelação) com transmissão ao vivo e grande espetáculo, tenha realizado esse novo julgamento, contraditoriamente, pelo meio virtual, que sequer permite aos advogados de defesa participem do ato e, se o caso, possam fazer as intervenções previstas em lei (Estatuto do Advogado) para esclarecimento de fatos ou para formulação de questões de ordem. Essa situação, por si só, configura violação à garantia constitucional da ampla defesa e violação às prerrogativas dos advogados.
2 – Com a rejeição do recurso, diversas omissões, contradições e obscuridades apontadas em recurso de 318 laudas e que dizem respeito a aspectos essenciais do processo e do mérito do caso deixaram de ser sanadas — inclusive o fato de Lula ter sido condenado nessa ação com base na afirmação de que “seria o principal articulador e avalista de um esquema de corrupção que assolou a Petrobras”, em manifesta contradição com sentença definitiva que foi proferida pela 12ª. Vara Federal de Brasília, que absolveu o ex-presidente dessa condenação com a concordância do Ministério Público Federal (Ação Criminal nº 1026137-89.2018.5.01.3400 – caso conhecido como “Quadrilhão”). Nesta decisão proferida pela Justiça Federal de Brasília, o juiz federal prolator, Dr. Marcos Vinicius Reis Bastos, fez consignar com precisão e de forma inconciliável com as decisões proferidas no processo em referência, que “a utilização distorcida da responsabilização penal, como no caso dos autos de imputação de organização criminosa sem os elementos do tipo objetivo e subjetivo, provoca efeitos nocivos à democracia, dentre elas a grave crise de credibilidade e de legitimação do poder politico como um todo”.
3 – Mesmo com todo o cerceamento de defesa imposto ao longo da fase de instrução pelo então juiz Sergio Moro, conseguimos comprovar, por perícia, a partir da análise da suposta cópia dos sistemas da Odebrecht que estão na posse da Polícia Federal, que os R$ 700 mil que o MPF acusou Lula de ter recebido em suposta reforma no sítio de Atibaia, foram, em verdade, sacados em favor de um alto executivo da própria Odebrecht. A prova, no entanto, foi simplesmente desprezada pela sentença e também pelo TRF4. O que foi levado em consideração foram apenas depoimentos de delatores que foram beneficiados para acusar Lula — inclusive o de Marcelo Odebrecht, que em depoimento posterior, prestado em ação penal que tramita perante a Justiça Federal de Brasília, reconheceu que “é tremendamente injusto fazer uma condenação de Lula sem que esclareça as contradições dos depoimentos de meu pai e Palocci”.
4 – Assim que os votos proferidos no julgamento virtual forem disponibilizados na plataforma do TRF4 definiremos o recurso que será interposto para reverter essa absurda condenação.
Cristiano Zanin Martins
Valeska T. Z. Martins