Covid-19: iniciados estudos com plasma sanguíneo de pacientes que já se curaram

Apesar de a equipe almejar um resultado satisfatório, não pode "prometer uma cura miraculosa" à população

Foto: Fernanda Frazão/Agência Brasil

Um grupo de pesquisadores dos hospitais Israelita Albert Einstein e Sírio-Libanês e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) desenvolve, a partir de hoje, um estudo para verificar se a utilização do plasma de pacientes recuperados de Covid-19 pode atenuar sintomas da infecção nos doentes. O plasma é a parte líquida do sangue e, nesse caso, é classificado como plasma convalescente, de acordo com o jargão de especialistas da área.

De acordo com o diretor do banco de sangue do Sírio-Libanês, Silvano Wendel Neto, os cientistas propõem tratar o plasma de pacientes que apresentaram um quadro leve da infecção para ajudar aqueles que ainda estejam doentes a produzir anticorpos contra o vírus. O plasma convalescente deve ser introduzido no corpo dos pacientes enfermos mediante transfusão de sangue. O uso dessa substância segue regras estabelecidas pelos comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

“O que está acontecendo nessa grande epidemia é que temos uma grande quantidade de indivíduos que já tiveram a doença, já se recuperaram e, portanto, desenvolveram anticorpos circulantes em seu plasma. Ao mesmo tempo, temos pacientes que estão recentemente infectados, com a forma grave da doença, aquela que afeta, principalmente, o pulmão. O indivíduo não consegue respirar direito e precisa receber o auxílio de uma máquina, o ventilador [mecânico] e ficar na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] por alguns dias, geralmente sete, oito, nove dias”, completa.

A intenção é aliviar os sintomas graves e também desafogar os leitos de UTI. “Tentar diminuir, portanto, a carga que o sistema de saúde está recebendo por parte da internação desses pacientes graves”, pontua o diretor.

Resultados promissores

Em nota divulgada na última sexta-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) destacou que pesquisadores dedicados a análises semelhantes já vêm obtendo “resultados promissores”. A autarquia pondera, entretanto, que as conclusões não podem ser encaradas como uma “comprovação definitiva sobre a eficácia potencial do tratamento”, devido à inobservância de critérios científicos rigorosos, como abrangência da amostragem. Segundo Wendel Neto, a China foi o país pioneiro nesse tipo de experiência.

Diferentemente dos estudos citados pela Anvisa, a pesquisa desenvolvida pelos órgãos paulistas prevê um grupo de controle, que confere mais relevância aos resultados atingidos, por permitir que os pesquisadores mensurem os efeitos de uma intervenção – nesse caso, a introdução do plasma.

Trabalho experimental

Wendel Neto salienta que a pesquisa do grupo é “um trabalho experimental” e que, apesar de a equipe almejar um resultado satisfatório, não pode “prometer uma cura miraculosa” à população. O diretor do Sírio-Libanês detalha que cerca de 100 ex-pacientes devem doar plasma para o experimento e outras 100 pessoas devem formar o grupo de controle.

“Essa terapia não é nova, já foi testada com várias infecções, em várias epidemias. Nos últimos 20 anos, foi testada para a epidemia de Sars [Síndrome respiratória aguda grave], em 2003; na África, para uma das epidemias de ebola, para infecção por H1N1, mas sempre foi testada em pequena escala, não em larga escala, e com resultados variáveis, mas que não são ruins. E a gente não está querendo promover a cura imediata desses pacientes, a gente quer contribuir, junto com uma série de outras medidas, para tentar reduzir a gravidade da doença. A gente está recebendo uma quantidade brutal de pacientes no sistema de saúde, não só no Brasil, mas no mundo inteiro”, enfatiza o diretor.

Requisitos para doação de sangue

Segundo Wendel Neto, para que uma pessoa possa doar sangue para o experimento, deve seguir algumas regras. Serão aceitas doações de homens com idade entre 18 e 60 anos, peso corporal superior a 65 quilos, que tiveram teste positivo (RT-PCR) para o novo coronavírus e que estejam bem de saúde há, no mínimo, 14 dias. Também é exigido dos doadores que tenham apresentado um quadro leve de Covid-19 ou mesmo que tenham se mantido sem sintomas da doença.

Os voluntários também não podem ter contraído hepatite, doença de Chagas nem HIV durante a vida. O diretor esclarece que o sangue de mulheres não vai ser coletado porque, se já tiverem passado por alguma gravidez, poderão ter desenvolvido anticorpos contra leucócitos, que podem causar reações pulmonares graves em pacientes com Covid-19. “A gente não quer correr o risco de piorar o pulmão de alguém que já esteja com o pulmão afetado. Por isso, nesse primeiro momento, não estamos aceitando mulheres. Pode ser que, posteriormente, a gente expanda”, ponderou Wendel Neto.

Os candidatos deverão responder, por telefone, um roteiro de perguntas, por meio do qual os atendentes poderão avaliar se estão aptos a fazer a doação de sangue. Se forem aprovados na avaliação preliminar, deverão comparecer ao local pessoalmente, em horário agendado pelos atendentes. Lá, farão uma nova avaliação e, então, serão encaminhados para a coleta da amostra de sangue que pode confirmar se os pesquisadores poderão aproveitá-la para a pesquisa.