Toffoli adia para julho implementação do juiz de garantias

Adoção era prevista para o dia 23 deste mês

Foto: Nelson Jr. / SCO /STF

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, concedeu hoje uma liminar (decisão provisória) para adiar, por seis meses – até julho -, a implementação pelo Poder Judiciário da figura do juiz de garantias. A adoção era revista para o dia 23 deste mês, conforme o pacote anticrime aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado em dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro.

Toffoli também suspendeu, sem prazo definido e ao menos até que o plenário do Supremo analise a questão, a aplicação do juiz de garantias para os casos de violência doméstica e para os crimes julgados pelo tribunal do júri, como os dolosos contra a vida.

A justificativa é que, nesses casos, os procedimentos são bastante peculiares, envolvendo, por exemplo, a oitiva de crianças ou sendo disciplinados por lei específica. Sob argumentos similares, Toffoli suspendeu também a aplicação do juízo de garantias para os casos criminais de competência da Justiça Eleitoral.

A liminar prevê ainda regras de transição, segundo as quais a atuação do juiz de garantias deva se dar somente nos casos julgados na primeira instância. A lógica é que, nas demais instâncias, os processos já são julgados de modo colegiado, por mais de um juiz, o que dispensa a necessidade de atuação de ainda mais um magistrado, argumentou Toffoli.

O presidente do Supremo também determinou que o juiz de garantias só passe a atuar em novos casos, e não naqueles em andamento. Em ações penais já em curso, não há nenhuma alteração, e o magistrado permanece o mesmo até a sentença. Nas investigações ainda em fase prévia, o juiz que já atua no caso permanece inalterado, e somente deve haver distribuição para um novo juiz caso uma eventual denúncia seja aceita. Toffoli alegou princípios de previsibilidade e de segurança jurídica nesse ponto.

Ao anunciar a decisão, na sede do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, Toffoli defendeu a constitucionalidade da instituição do juiz de garantias, afirmando que reforça “a garantia de imparcialidade” prevista na Constituição. “A inovação reforça o modelo de processo penal preconizado pela Constituição de 1988. E em que consiste esse modelo? Em um sistema acusatório caracterizado pela nítida divisão entre as funções de investigar e acusar e a função de julgar”, acrescentou o ministro.

Ações de inconstitucionalidade

A criação do juiz de garantias, nos moldes previstos na nova lei anticrime, é questionada em três ações diretas de inconstitucionalidade abertas no Supremo: uma pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); outra pelos partidos Podemos e Cidadania; e uma protocolada pelo PSL.

Em suma, as três ações defendem, entre outros pontos, que o Poder Judiciário não conta com estrutura e recursos suficientes para a implementação do juiz de garantias. De acordo com as associações de magistrados, a norma é inconstitucional também por dispor sobre a organização dos tribunais, algo que deve ser de iniciativa exclusiva do Judiciário.

Em localidades onde hoje há apenas um juiz e processos em papel, torna-se ainda mais difícil implantar a figura do juiz de garantias sem criar um novo posto, o que representa um ônus para os cofres públicos sem que se tenha previsto a fonte de custeio, dizem as ações.

Toffoli concordou em parte com os argumentos, mas refutou a ideia de que haja a necessidade de gastos a mais. “A efetiva implementação do juiz das garantias não demanda a criação de novos cargos. Não incrementa o volume do trabalho”, disse o ministro. “Na prática, trata-se da adequação da estrutura já existente em todo o país.”

A decisão de Toffoli ocorre em meio ao recesso do Judiciário, enquanto ele é responsável pelo plantão judicial. O relator das ações sobre o assunto, ministro Luiz Fux, escolhido por sorteio, deve assumir o plantão somente no próximo dia 20, na condição de vice-presidente do Supremo.

Ao assumir, Fux passa a ter competência, como relator, para revisar a decisão de Toffoli. O presidente do Supremo, porém, disse que conversou com Fux antes de conceder a liminar. Toffoli acrescentou que pretende levar o caso a plenário antes do fim de fevereiro.

Entenda

Entre diversas alterações no Código de Processo Penal (CPP), o pacote anticrime (Lei 13.964/2019) estabeleceu a criação do juiz de garantias, magistrado que deve atuar na fase de investigação criminal, decidindo sobre todos os pedidos do Ministério Público ou da autoridade policial que digam respeito à apuração de um crime, como, por exemplo, quebras de sigilo ou pedidos de prisão preventiva. Ele, contudo, não pode proferir a sentença final.

De acordo com a lei, a atuação do juiz de garantais se encerra após ele decidir se aceita eventual denúncia apresentada pelo MP. Caso a peça acusatória seja aceita, é aberta uma ação penal, na qual passa a atuar outro juiz, que fica encarregado de ouvir as partes, estudar as alegações finais e proferir uma sentença.

A divisão de tarefas é elogiada por advogados criminalistas, que veem no juiz de garantias um avanço para a imparcialidade do julgamento. A proposta também é chancelada por ministros do Supremo. O decano, Celso de Mello, chegou a dar declarações públicas de que a adoção do juiz de garantias representa uma “conquista da cidadania”. O próprio Toffoli também vinha elogiando abertamente a nova função.

Contudo, alguns magistrados e outras autoridades, como o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, vêm criticando a adoção do juiz de garantias como previsto na lei, e apontando dificuldades operacionais e orçamentárias para a implementação. O entendimento é de que a medida é desnecessária no momento, além de minar o poder dos juízes de primeira instância.

Nesta quarta-feira, Moro reuniu-se na sede do CNJ com Toffoli, que disse ter acatado duas sugestões do ministro e ex-juiz: a suspensão de um rodízio de magistrados previsto na lei como solução para localidades com apenas um juiz; e a suspensão do impedimento do juiz que tenha conhecimento sobre prova ilegal. Ambas as normas perdem eficácia sob a liminar do presidente do Supremo.