O embaixador Paulo Roberto de Almeida, diplomata de carreira e escritor, afirmou na manhã desta segunda-feira que o conflito EUA x Irã “deixou o mundo mais inseguro do que no ano passado”. A declaração foi dada durante o programa Direto ao Ponto, da Rádio Guaíba. Almeida, que até março era presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty, ressalta que os fatos recentes são “uma grave ameaça à paz no mundo”.
“O mundo não está mais seguro, ainda que as tensões venham se manifestando há algum tempo. Os EUA já afirmaram que tem diversos alvos no Irã para contra-atacar em caso de ataques terroristas, mas o mais grave para a paz no mundo é a declaração do governo iraniano que ele não está mais aderente ao acordo firmado em Genebra sobre seu programa nuclear (os EUA deixaram o tratado em 2018)”, disse o embaixador.
Acrescentou ainda que “o mundo se encontra no limiar de uma nova aceleração de esforços de proliferação de programas de capacitação nuclear, e se torna muito mais inseguro do que era até o ano passado.”
Almeida diz que não imagina um confronto direto, uma guerra declarada entre EUA e Irã, mesmo com as promessas de vingança iranianas à morte do general Soleiman. “Eu acredito que a hipótese de utilização tática de armas nucleares em conflitos seja remota, mesmo países como Irã e Coreia do Norte. Eles não tem o domínio dessa técnica e seriam vastamente superados pelo poderio norte-americano”, analisou.
Na prática, o poderio nuclear fica como uma espécie de “seguro” contra intervenção direta em assuntos internos, uma espécie de “carta mais a ser agitada do que ser utilizada”, disse o especialista. Entretanto, enxerga o momento como um estímulo para que outros países também se desliguem de seus compromissos ou desenvolverem programas clandestinos de nuclearização.
Sobre as ameaças de ataques a patrimônios históricos, por exemplo, diz que “faz parte de um certo blefe, uma subida aos extremos, mas apenas no plano retórico. Não acredito que as forças americanas, relativamente responsáveis, cheguem ao cúmulo de atingir Persépolis ou outros patrimônios iranianos.”
Consequências para o Brasil
Para o Brasil, as implicações imediatas serão econômicas, disse o diplomata. “São duas consequências: uma, ao nível econômico, dada a volatilidade do valor do petróleo. O possível afundamento de barcos petroleiros, no estreito de Ormuz também produziria impacto imediado, mas depois o mercado se ajusta com novas ofertas”, disse.
Na sequência, garante que a segunda consequência é política. “Resta saber se o governo brasileiro vai adotar uma postura anti-iraniana ou não. Vários generais já se posicionaram contrários a qualquer postura brasileira de apoio à posição americana, mantendo postura de neutralidade. Mesmo a OTAN deve recomendar postura de negociação a fim de evitar consequências mais danosas”, declarou.
Guerra virtual
Questionado sobre as declarações virtuais sobre o conflito por parte de atores políticos, principalmente através da rede social Twitter, disse que servem para ampliar uma espécie de “cacofonia” no entendimento coletivo acerca do processo. “Tudo isso aumenta a confusão entre proclamações oficiais dos Estados e manifestações que atores políticos fazem pelas redes sociais”, lamentou.
Ainda seguiu dizendo que “tudo isso é inovador, e tem no presidente Trump um dos principais inovadores. Ele faz governo pelo Twitter, como existe também no Brasil, isso infelizmente tende a crescer o grau de cacofonia, porque você tem muitas fake news, ou semiverdades. Os governos deveriam ser mais responsáveis em atuar como tradicionalmente, por seus porta-vozes, que devem ser aprovados por conselhos de estado ou de governo”, asseverou.
Saída do Itamaraty
Almeida foi exonerado do cargo que ocupava, como presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty, após publicação de artigos em seu blog pessoal. Na ocasião, compartilhou três textos no site, um dos quais do chanceler Ernesto Araújo. “O ministro atual ficou descontente ao ser confrontado com opositores da sua política externa”, disse, acrescendo que “talvez falar em sua política externa seja algo exagerado, pois não sabemos exatamente qual é, já que não há documento disponíveis com exposição dos princípios, valores, objetivos e metas da política externa.”
Alegou que vinha se manifestando “com dúvidas sobra a racionalidade sobre esse tipo de ação”, e que aproveitou a publicação dos textos “quase que simultaneamente” para debater sobre o tema. “O ministro atual provavelmente se sentiu atingido pela comparação depreciativa de seu texto, e mandou me exonerar, o que está na sua competência. No caso, parece um pouco prevaricação, o uso do cargo para fins pessoais”, encerrou.