Entidades e especialistas preveem judicialização do pacote de reformas de Leite

Questionamentos devem ser relativos a escalonamento e progressão de alíquotas e a realidade do déficit

Foto: Palácio Piratini / Divulgação / Reprodução

Após as primeiras apresentações das propostas que o governo do Estado pretende enviar à Assembleia Legislativa com mudanças nas carreiras e na previdência do funcionalismo estadual, entidades representativas de servidores e especialistas preveem que alguns itens devam ser alvo de questionamento judicial, sobretudo os referentes à previdência.

“Para começar: questões relacionadas à previdência, como as alíquotas escalonadas e a cobrança de inativos. Há também pontos referentes aos triênios e até o que pretendem sobre a organização sindical. Mas, como nem o governo parece ter clareza sobre o que está propondo, apresenta contas etéreas sem detalhar como chegou a elas e até agora não materializou projetos, o que estamos discutindo efetivamente é o PowerPoint”, ironiza o presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos do RS (Fessergs), Sérgio Arnoud.

O fato de o governo garantir que vai seguir as regras aprovadas na reforma da previdência, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6, que tramita no Senado, não minimiza as chances de judicialização, segundo o conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Marcelo Barroso.

“Existe a tendência de judicialização no RS porque, também na PEC 6, o que se prepara são questionamentos a respeito do princípio do não confisco. E isso provavelmente será arbitrado ao final pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As decisões anteriores do STF estabelecem que o princípio do não confisco tem que ser aplicado no conjunto da carga tributária, ou seja, sobre a soma dos descontos. E, da parte dos servidores, qualquer valor acima de 14% não será aceito passivamente. Então a tendência é de que, juridicamente, o debate se estenda bastante”, projeta.

O presidente da União Gaúcha em Defesa da Previdência Social e Pública, Cláudio Martinewski, revela entendimento semelhante. Ele estima que a judicialização das medidas ocorra principalmente em função das alíquotas escalonadas e progressivas e a relação delas com o princípio do não confisco. Entra na lista a possibilidade de que aposentados passem a descontar para a previdência não apenas a partir dos valores que extrapolem o chamado teto do INSS (R$ 5.839,45, em valores atuais) e sim a partir do que ultrapassar um salário mínimo. Se implementada, a medida vai atingir de forma ampla inativos do magistério estadual.

Na Secretaria da Educação o número de vínculos de inativos já supera em muito o de ativos e a tendência segue em alta. Em agosto, conforme os dados do governo, eram 110.844 inativos (com custo de R$ 354 milhões) para 75.670 ativos (com custo de R$ 210 milhões).

“A questão de não confisco em termos de Brasil ainda não é sedimentada, mas, a partir de 16%, já há margem significativa para discussão. Na prática, não estão mexendo apenas na alíquota, estão modificando a base de cálculo. Nos debates daqui para a frente também ganhará destaque o fato de que, apesar de isso não receber grande divulgação, o imposto de renda dos servidores estaduais é integralmente destinado ao caixa único do Estado, ele não fica com a União”, assinala Martinewski.

Outro ponto que já enfrenta questionamentos é o dos números referentes aos déficits e projeções de economia que vêm sendo apresentados pelo Executivo. Nos eventos de divulgação das medidas, o governador Eduardo Leite vem centrado a argumentação em dois números: o de que as mudanças terão impacto fiscal de R$ 25 bilhões em 10 anos e o de que o déficit atuarial do sistema previdenciário pode alcançar R$ 373 bilhões. Mas não fornece maiores detalhamentos, como o impacto fiscal anual previsto para cada uma das mudanças, ou tabelas consolidando a projeção do sistema. O déficit atuarial mostrado pelo Executivo já vem sendo alvo de questionamentos da União Gaúcha e do Conselho de Administração do IPERGS. “Como já é de conhecimento público, existe um estudo sólido do Tribunal de Contas sobre a inconsistência dos dados apresentados”, lembra Martinewski.

O fato de Leite dar destaque para o déficit atuarial do sistema previdenciário também já aumentou as expectativas de que, entre os projetos, o Executivo inclua uma proposta de adoção de alíquotas extraordinárias de contribuição previdenciária. A possibilidade de que alíquotas extraordinárias se somem às ordinárias está prevista na PEC6, para os casos em que ficar comprovado o déficit atuarial do sistema, e com validade de 20 anos.

Na prática, a alíquota extraordinária, se adotada, pode elevar as contribuições para além dos 22% previstos no âmbito federal e dos 18% planejados no RS. A PEC não estabelece percentuais, mas prevê fatores a serem levados em conta nas fórmulas a serem adotadas. “O cálculo para as contribuições extraordinárias estabelece grupos distintos de servidores. Aí é bastante controverso porque a legislação não permite a possibilidade de discriminação por questões específicas. De fato, a discussão judicial ainda nem começou, mas, pela experiência que tenho, o que posso projetar é que as categorias com menor poder de pressão, em termos proporcionais, vão perder mais”, finaliza Barroso.