Caso Bárbara Penna: Júri ouve réu e parentes e emite sentença nesta quarta

João Moojen Neto é acusado de atear fogo em apartamento, jogar companheira de janela e causar a morte de dois filhos e um vizinho

Foto: Laura Gross / Especial / Rádio Guaíba

O julgamento de João Moojen Neto, acusado de tentar matar a ex-companheira Bárbara Penna e ter provocado as mortes de dois filhos dela e de um vizinho, Mário Ênio Pagliarini, teve continuidade, na tarde desta terça-feira, no Foro Central de Porto Alegre. “Serão os dois dias mais longos da minha vida”, desabafou Bárbara, ainda pela manhã, antes do início da sessão. O réu falou, no início da noite, dizendo ter agido sob efeito de drogas e sem saber da presença dos filhos em casa. A sentença deve ser definida nesta quarta-feira.

Vítima

“Tenho um sentimento de tristeza e revolta. Vou reviver todo o inferno que já passei. Sinto ansiedade pela Justiça porque sou refém da minha história. É algo que está marcado na minha história, na minha pele, na minha vida, algo que foi imposto a mim. Por causa do João, nunca mais vou ser a mesma”, completou Bárbara, em declarações à imprensa.

Em depoimento diante do júri e do magistrado, ela contou que realizou mais de 200 cirurgias e que nunca vai voltar a ser como era. “Não esteticamente, mas o que fizeram dentro de mim. Nenhuma cirurgia vai trazer meus filhos de volta”, frisou. Emocionada, ela recordou a história desde o início do relacionamento com João. “Ele nunca foi viciado em drogas. Ele era muito agressivo, até na forma de falar, principalmente comigo”, revelou, detalhando que sofria privações.

“Espero que agora seja definitivo e que nunca mais veja ele na minha frente. Vim esperando a melhor condenação possível, que a Justiça seja feita e na expectativa de honrar a memória dos meus filhos. Tive minha vida destruída”, acrescentou.

Acusação e defesa falaram na sequência. À tarde, os sete jurados passaram, então, a ouvir as testemunhas da defesa e, por fim, o réu. Inicialmente, eram sete os depoimentos previstos, mas o psiquiatra de João não compareceu à sessão. Os filhos de Bárbara — uma menina de dois anos e um bebê de três meses – foram, na maior parte do tempo, o foco das falas da mãe, do pai, do padrasto e de um colega de cela do réu. A intenção do júri era entender se a relação das crianças chegou a ser motivo de brigas entre o casal.

A mãe de João prestou depoimento primeiro. Ela afirmou que o filho começou a usar drogas aos oito anos de idade e que o pai era conivente com a situação, ajudando-o a comprar entorpecentes. Citou, ainda, uma situação em que João pediu para ser internado em uma clínica, por conta da dependência, e disse que isso só não ocorreu por interferência do pai. Durante o depoimento, Bárbara teve de ser retirada da sessão. Na saída, exclamou: “só não pode mentir, eu não vou deixar eles mentirem.”

A mãe de João revelou, também, que visita o filho quinzenalmente na prisão. Já o pai, segundo ela, não o procura por conta de também ser dependente químico. Em seguida, tentou demonstrar que Bárbara também pode ter colaborado para a tragédia. “Sempre tive carinho por ela. Depois que demos tantas oportunidades de ela se separar do João e as crianças ficarem bem, acho que teve parcela de culpa no que aconteceu”.

O pai de João falou em seguida. O homem confirmou estar em processo de reabilitação e tratamento da dependência de álcool e de cocaína. Sobre as mensagens ameaçadoras que Bárbara disse ter recebido do ex-sogro, negou, dizendo nunca ter infringido a medida protetiva imposta pela Justiça contra ele. O pai contou, ainda, que João tinha comportamento “amoroso e carinhoso” quando não fazia uso de drogas. Nesses momentos, segundo a testemunha, defendia muito Isadora (filha de Bárbara, que morreu carbonizada) e dizia amar as crianças, incluindo o filho de três meses, do casal, que também não resistiu. Durante o depoimento, o juiz mostrou à testemunha e ao réu fotografias das crianças em vida.

A terceira testemunha não teve o depoimento aceito, a pedido do Ministério Público. Cliente do pai de João (que é advogado), o homem é colega de cela do réu, em Charqueadas. O depoente falou, então, na condição de informante, sem peso de testemunho. Ele disse que João é tranquilo e deixou de usar drogas desde que ingressou no presídio, em 2013.

O quarto depoimento coube ao padrasto do réu, que casou com a mãe de João quando ele tinha três meses. O homem relatou ao Júri que o relacionamento do enteado com Bárbara era mais tumultuado do que com a primeira namorada. “Bárbara parecia muito abandonada pela família dela, por isso a Ana (mãe de João) foi acompanhar o nascimento da Isadora. A gente nunca soube quem era o pai biológico da menina. Nunca pressionei para saber qual a paternidade”, revelou o padrasto. João registrou a menina como filha após ela nascer.

“Em uma das brigas eu chamei a Bárbara e disse para terminar esse ciclo vicioso de brigas. Eu vou te ajudar a cuidar das crianças”, lembrou. O padrasto de João afirmou, ainda, que Bárbara pedia dinheiro à família do agressor após o crime. “Quando a gente percebeu estar sendo explorado, eu disse para a mãe [Ana] para cairmos fora”, disse.

Outras duas testemunhas depuseram, também, como informantes em função da relação de proximidade com o réu.

Acusado depõe

Antes de João começar a falar, a sessão reproduziu, já no início da noite, um vídeo filmado na madrugada após o crime. Nele, o acusado aparece deitado em uma maca, e é questionado sobre quem pôs fogo no apartamento e por que não tentou conter o incêndio. João, então, põe a culpa em Bárbara e fala que não conseguiu apagar as chamas por estar drogado. Ele também conta que consumiu cocaína e que jogou a ex da janela (ambos viviam em um apartamento de terceiro andar). Em outro momento, fala ter sido o “culpado de tudo” e que, muitas vezes, quis cometer suicídio para chamar a atenção da ex.

Ao depor, João pediu perdão a Bárbara, à família e aos amigos dela. “Eu escolheria para mim uma pena de morte. Porque, na real, tudo perdeu o sentido. Perdi meus filhos que era o que eu mais amava na vida”. Em seguida, declarou: “Desejo que ela seja feliz, nunca desejei o mal dela”.

O réu contou que, no dia do crime, falou a Bárbara que pretendia “sair para buscar droga”. “A gente começou a discutir e começamos a brigar e quebrar o computador dela e o meu”, relatou.

Na sequência, João pediu para ser questionado, mas aceitou somente responder às perguntas da defesa. Ele reiterou ter usado cocaína, negou ter utilizado álcool para atear fogo no apartamento e confirmou ter acionado um isqueiro para incendiar um travesseiro. Ao contrário do que mostra a gravação, disse que Barbara “se jogou da janela” e que não sabia da presença dos filhos no apartamento.

Defesa

No início do julgamento, a defensora pública Tatiana Kosby Boeira, que representa o réu, afirmou que a estratégia da defesa é demonstrar que tudo se tratou de “uma situação muito triste” que dizimou uma família inteira.

“Ele teve responsabilidade por algumas coisas, mas eu penso que outras pessoas também tiveram”, argumentou. Tatiana pretende mostrar que existe um “diagnóstico de transtorno”, que o réu é “semi imputável”, e que “o fato ocorreu sob efeito de drogas”.

O julgamento prossegue, nesta quarta-feira, no Foro Central de Porto Alegre. A sentença é prevista para o fim da tarde.

Crime

O Ministério Público (MP) denunciou João Moojen Neto em novembro de 2013 pelos crimes cometidos no dia 7 do mesmo mês. À noite, no interior do bloco C do prédio de número 150 da avenida Panamericana, no Jardim Lindóia, em Porto Alegre, o acusado, então aos 22 anos, ateou fogo no apartamento em que residia com Bárbara. Ainda conforme a denúncia, João, em seguida, jogou a mulher da janela, do terceiro andar do prédio.

A vítima, de 19 anos, sofreu queimaduras graves em 40% do corpo e ficou meses internada na UTI. As crianças, que dormiam, morreram carbonizadas e o vizinho, intoxicado pela fumaça, caiu nas escadas antes de conseguir chegar ao imóvel que pegou fogo. Conforme o MP, o denunciado praticou os crimes porque não admitia o fim do relacionamento. A denúncia é assinada pelo promotor de Justiça Júlio César de Melo.

*Com informações da repórter Laura Gross