A porto-alegrense Clarissa Wolff tem a vida marcada pela luta. A escritora, que também trabalha com marketing digital em São Paulo, passou por quatro episódios de câncer. O último, diagnosticado na virada de 2015 para 2016, ainda persegue a jovem de 28 anos.
Clarissa e o marido, João Vitor, planejavam estudar no exterior. Para conquistar o objetivo, o casal foi instruído a iniciar a universidade no Brasil, a fim de facilitar a transferência para a França, o destino escolhido. Os dois prestaram vestibular na UniRitter e na UFRGS. Como as provas da universidade privada foram realizadas antes do processo de seleção na instituição federal, Clarissa e João Vitor decidiram se matricular na UniRitter. “Nós pagamos a matrícula e, antes de eu assinar o contrato, eu perguntei o que aconteceria se eu passasse na UFRGS”, relatou a escritora. A instituição teria garantido que a estudante não precisaria fazer nenhum processo de cancelamento. A simples falta de frequência nas aulas seria o suficiente para não validar o vínculo.
No intervalo entre a matrícula e o início das aulas, Clarissa descobriu estar, novamente, com câncer, desta vez, no ovário. “Eu ia ter uma mudança de vida completa antes de fazer 25 anos, foi uma época bem desesperadora, eu chorava muito”, lembrou. A universitária passou por uma cirurgia de retirada do peritônio, uma membrana que cobre os órgãos do abdômen. “Obviamente, eu não fiz o vestibular da UFRGS; obviamente, eu não fui para a França”, afirma a estudante que ficou afastada do serviço por um ano, com amparo do INSS.
Ouça o depoimento de Clarissa Wolff à reportagem:
O marido, também matriculado na UniRitter, não foi às aulas e teve a matrícula cancelada automaticamente. Clarissa, no entanto, não teve a mesma sorte. Impedida de frequentar o curso em razão do tratamento contra o câncer, ela teve presença registrada em aulas que nunca presenciou. E mais: foi cobrada por isso. “Quando acabou o primeiro semestre de 2016, eu comecei a ser acionada, por telefone, por uma dívida que eu teria com a UniRitter”, recorda. “Eu fiquei muito confusa, porque era completamente contra o que eles tinham me alegado e completamente contra o que tinha acontecido com o meu marido”, explica Clarissa.
As cobranças não cessaram desde então. Três anos depois, Clarissa Wolff segue com o nome sujo no cadastro do Serasa em razão da dívida, estimada em pouco mais de R$ 3,6 mil. A escritora relata receber ligações semanais da agência de cobranças que trabalha para a UniRitter. As tentativas de esclarecimento com a universidade não surtiram efeito. “Eu já enviei laudos médicos, o laudo da minha cirurgia, o laudo de diagnóstico… Eu já enviei um milhão de documentos”, lamenta.
O Procon foi acionado e a dívida foi tirada do sistema de cobranças da universidade. No entanto, o alívio durou apenas dois dias. O nome de Clarissa voltou a figurar no cadastro de devedores. Ela afirma não conseguir crédito nem para alugar imóveis, mesmo tendo trabalho. “Todos os contatos que eu tentei, toda a documentação que eu enviei, eles dizem que não vale nada porque alguém enfiou no sistema que eu fiz uma avaliação”, protesta. “Sendo que era impossível, porque eu não conseguia nem sair de casa. Eu dormia 20 horas por dia, eu não tinha força”, completa a escritora.
Clarissa Wolff diz não desejar entrar com uma ação no Judiciário. “Eu sei que entrar na justiça é um negócio sério e é um negócio trabalhoso”, afirma destacando não querer conflitos. “Eu só queria que isso se resolvesse rápido”, conclui. Atualmente, Clarissa passa por exames regulares para monitorar sua saúde.
Clarissa relatou o caso nas redes sociais:
Resposta da UniRitter
Durante a apuração da reportagem, a Rádio Guaíba entrou em contato com a UniRitter em busca da versão da universidade sobre o caso. A instituição, integrante da rede Laureate International Universities e com campi em Porto Alegre (Zona Sul, Fapa e Iguatemi) e em Canoas, enviou uma nota:
“A UniRitter confirma o vínculo de Clarissa Wolff como aluna do curso de Letras, matriculada em 2016/01. Em comum acordo entre as partes e sensível ao momento vivido pela estudante, a instituição, por mera liberdade, perdoou a dívida mediante a entrega de atestado retroativo pela época alegada. Até o momento, não havia sido identificado nos registros internos o recebimento por parte da aluna de um documento oficial de afastamento referente ao período mencionado.”
Réplica de Clarissa
A escritora confirma que, depois de relatar o caso nas redes sociais e da apuração da reportagem da Rádio Guaíba, a UniRitter tirou seu nome do cadastro de cobrança. No entanto, Clarissa ressalta que nenhum acordo foi definido. “Eu quero entender o que a UniRitter vai fazer em respeito a esses três anos que eu passei negativada e doente”, questiona. “Eu quero resolver tudo o que aconteceu nesses três anos em que eu sofri muito, muito, muito constrangimento”, lamenta.
Em relação ao “documento oficial de afastamento”, referido pela instituição na nota, Clarissa argumenta que a orientação não foi prestada no momento da matrícula e reafirma que o marido teve o vínculo cancelado sem a necessidade do documento.
Clarissa Wolff ainda questiona a situação de outros alunos que passam por problemas semelhantes com a UniRitter. “Eu não quero imaginar o que eles fazem com os alunos que têm de provar outras coisas, que são menos escandalosas do que abusar de uma pessoa com câncer”, protesta, considerando a situação “absurda”.