Lei de abuso de autoridade pode se tornar “veneno” em vez de remédio, adverte Raquel Dodge

Chefe do MPF também defendeu que sucessor mantenha discurso plural e independente

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

De forma incisiva, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, criticou, nesta sexta-feira, a aprovação do texto-base do projeto de lei que trata da criminalização do abuso de autoridade. Ao cumprir agenda, em Porto Alegre, a chefe do MPF ressaltou que a Justiça já conta com mecanismos suficientes para conter eventuais abusos praticados pelos agentes de Estado, como juízes e procuradores.

“É preciso considerar se essa lei, recém-aprovada, tem a dose certa de normatividade. Ou se, podendo ter errado na dose, faz com que um remédio se torne um veneno e mate o paciente. A boa lei fortalece as instituições, mas é preciso atentar para o fato de que a própria lei pode se tornar um abuso que se deseja reprimir”, considerou.

Nessa quarta-feira, a Câmara Federal aprovou o texto que define os crimes de abuso de autoridade, englobando atos cometidos por servidores públicos e membros dos três Poderes da República, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas e das Forças Armadas. A proposta é considerada uma reação da classe política às operações recentes contra a corrupção, como a Lava Jato.

Mesmo contrariada, Raquel Dodge ressaltou que a decisão do Parlamento deve ser respeitada para manter a harmonia entre as instituições. Ela mencionou, ainda, que o Poder Legislativo, já vem cumprindo o papel de coibir, por exemplo, crimes de colarinho branco. Durante a tarde, procuradora-geral da República participou da cerimônia de inauguração da sede nova da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul.

Ainda nesta sexta, o presidente Jair Bolsonaro afirmou estar ainda avaliando possíveis vetos ao projeto da lei de abuso de autoridade. Ele criticou a possibilidade de punição a um policial que algemar alguém que não demonstre resistência no ato da prisão.

Já sobre a sucessão na PGR, Raquel Dodge mostrou-se hoje mais distante do perfil desenhado pelo presidente para o comando do MP Federal. Enquanto Bolsonaro espera nomear um procurador-geral que, nas palavras dele, não seja “xiita ambiental” nem supervalorize as minorias, Dodge defendeu os princípios da Constituição.

“Temos o dever de enfrentar a corrupção do patrimônio público e da ética pública, com destemor. Se não o fizermos, quem o fará? Temos o dever de defender os direitos humanos e de defender a nossa democracia. O MPF e o Judiciário não podem ceder ao clamor fácil das ruas virtuais. O MPF é plural e democrático”, avaliou. Ela ainda reiterou que os membros do MPF devem ter coragem e independência.

Nessa quinta, Bolsonaro disse que a troca na chefia da Procuradoria-Geral da República pode ser efetivada apenas após o fim do mandato de Raquel Dodge, que se encerra em 17 de setembro. Nesse cenário, quem assume interinamente é o vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal, Alcides Martins, eleito para o posto na semana passada.