Setor audiovisual do RS lança carta aberta em defesa da Ancine

Texto expõe dados sobre a movimentação financeira do cinema no Brasil, citando, sobretudo, o filme Bruna Surfistinha

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Profissionais do setor audiovisual do Rio Grande do Sul lançaram uma carta aberta em defesa da Agência Nacional do Cinema (Ancine), em resposta às propostas sugeridas pelo presidente Jair Bolsonaro.

Na semana passada, ele afirmou que pretende transformar a Ancine em uma secretaria vinculada a algum dos ministérios do governo e que as obras passarão por um “filtro”. “Já que é um órgão federal, se não puder ter filtro, nós extinguiremos a Ancine. Privatizaremos ou extinguiremos. Não pode é dinheiro público ser usado para fazer filme pornográfico”, afirmou, referindo-se ao filme “Bruna Surfistinha”.

Em apoio à Ancine, cineastas e produtores gaúchos se reuniram para uma discussão em defesa da manutenção das políticas públicas federais para o segmento e também pela liberdade de expressão. Leia a íntegra da carta.

Na carta, o grupo critica a maneira como o presidente pretende lidar com o órgão. “As propostas presidenciais de autocraticamente extinguí-la, privatizá-la ou submetê-la a controles ideológicos são inconstitucionais e ilegais, e devem ser tratadas com a gravidade que se aplica a proposições de tal sorte quando formuladas por um governante eleito democraticamente”, cita o texto.

Movimentação financeira
O texto expõe dados sobre a movimentação financeira do cinema no Brasil: “A cadeia produtiva do audiovisual movimenta mais de R$ 25 bilhões por ano, o que corresponde a quase 0,5% do PIB brasileiro. São 100 mil empregos diretos e 200 mil vagas indiretas geradas pelo setor, que vem sendo um dos poucos da economia brasileira a apresentar crescimento constante durante os últimos anos”, pontua a carta.

Entre os números, o grupo cita os resultados que o filme “Bruna Surfistinha” causou tanto nas salas de cinema quanto fora dele. “O filme citado pelo presidente, ‘Bruna Surfistinha’ (2011), levantou pouco mais de R$ 3 milhões em incentivos fiscais, parcialmente junto a empresas investidoras e a distribuidora internacional (utilizando um mecanismo que lhe permite investir parte dos impostos sobre seus lucros na produção nacional). A obra obteve ainda cerca de R$ 1,8 milhão em patrocínios não incentivados e R$ 500 mil do Fundo Setorial do Audiovisual. Somente nos cinemas, o filme arrecadou mais de R$ 22 milhões, divididos entre patrocinadores, distribuidores, produtores e exibidores”, segue o texto.

“Apenas em empregos diretos, mais de 400 profissionais tiveram trabalho graças à realização do filme. Vale ressaltar também que, apesar de desinformação que circula desde a época do lançamento do filme, ‘Bruna Surfistinha’ não é uma obra pornográfica, mas sim um drama biográfico, de classificação indicativa de 16 anos atribuída pelo Ministério da Justiça”, completa.

A carta também frisa que a Ancine dispõe de normativas que impedem a produção de pornografia com verba pública.

Mais preocupações
As mudanças já realizadas no Conselho Superior de Cinema também geraram preocupação. “A representação da sociedade civil no Conselho caiu de três para dois integrantes. Mesmo o mercado também acabou prejudicado: sua participação caiu de seis para três integrantes. Com essa nova relação – sete ministros, três representantes do mercado e só dois da sociedade civil –, o governo terá maioria permanente no órgão, deixando o mercado e a sociedade à sua mercê. Trata-se de uma medida francamente antidemocrática”, salienta o texto.

Segundo o setor, as declarações e ações do presidente, “ameaçando a produção de um setor da cultura e a liberdade de expressão artísticas, ao utilizar-se do eufemismo ‘filtro’ para esconder a tentativa de censura por parte do governo são de extrema gravidade e exigem atenção de toda a sociedade brasileira. Resta recorrer, de forma plenamente descolada de quaisquer posições partidárias, para que esses arroubos do presidente não encontrem qualquer eco na realidade”, finaliza a carta.