O Estado não cumpriu o prazo dado para a Secretaria de Administração Penitenciária (Seapen) e para a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) pela desembargadora Vanderlei Teresinha Kubiaki para resolver a situação dos presos em viaturas da Brigada Militar (BM) e carceragens das delegacias de polícia. A decisão judicial determinava 48 horas devia ter sido atendida até o fim da tarde de sábado. Conforme o governo do Estado, dos 127 presos que havia 61 foram encaminhados ao sistema penitenciário na tarde do sábado.
Em frente à 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA), junto ao Palácio da Polícia, três viaturas da BM e uma da Guarda Municipal eram usadas como celas. Em frente à 3ª DPPA a situação, diferente dos últimos dias estava tranquila, três homens estavam sob custódia da BM – além daqueles que estavam no interior da delegacia. “No sábado 10 foram levados. O que está aqui há mais tempo é um que sofre de esquizofrenia e aguarda há quatro dias”, detalhou um policial. Na 2ª delegacia, quando os detidos avistam a reportagem começam a gesticular as mãos para reclamar da falta de condições e o desrespeito aos direitos básicos de cada um.
Há quatro dias preso, um homem de 50 anos, depois de ter sido capturado pelos militares do 9º Batalhão de Polícia Militar (BPM) no Centro de Porto Alegre, disse que sente humilhado pela situação degradante que enfrenta, sem poder tomar banho, escovar os dentes e cuidar de sua saúde. “Tenho câncer, faço quimioterapia, estou doente. Aqui não temos facção, somos todos da ‘sofredores do Estado’.”
Algemado e sentado no banco da frente da viatura, mostrou o dedo do pé lesionado, devido a problemas de artrite, artrose e osteoporose, dizia que a Lei de Execuções Penais (LEP) foi abandonada. “Meus filhos passam por aqui e me enxergam nesse estado. A mesma lei que me pega pode pegar alguém da tua família. É inconstitucional. Está tudo errado, é ruim até mesmo para ir ao banheiro”, desabafou. Ele ponderou que é difícil frear o ciclo da violência se o próprio Estado comete uma. “Olha isso aqui, é necessário uma providência. A polícia tem que estar na rua prendendo, investigando, não cuidando de preso. É impossível a ressocialização desse jeito”.
Deitado no banco traseiro de uma guarnição estava um jovem de 19 anos que há 10 dias aguarda a sua vez de ser transportado para um presídio. “Não temos material de higiene, não temos nada. Não temos nem um chuveiro para tomar banho. Olha minha calça, minhas meias estavam limpas quando fui preso na Oscar Pereira, estou há quase duas semanas sem banho”, reclamou. A solidariedade, nessas horas, segundo um homem de 30 anos é o que resta. Ele contou que a família levou para a frente da DPPA um cobertor para enfrentar as madrugadas frias, como nem todos têm essa oportunidade, divide o seu com cada preso que passa pela viatura em que está. “A gente tenta ajudar. É muita humilhação estar aqui, sem dúvida é melhor está atrás das grades. O tempo não passa, não temos essa noção. É fechar os olhos e dormir, a qualquer hora”.
Outro homem, sentado no porta-malas de uma das viaturas, mostra a garrafinha pet que é usada como banheiro. Enfrentando diversos problemas de saúde, inclusive do trato urinário, optou por utilizá-la. “O policial me leva sempre que peço, mas fica chato incomodar toda hora. Já fiz até nas calças. É muito humilhante, não tem outra palavra que define”, queixou-se. No banco da frente, há um dia, está outro detento de 30 anos. Segundo ele, a única coisa que quer – neste momento – é conseguir a liberdade ou ir para um presídio. “Sem dúvida, a cadeia é melhor do que essa situação, ao menos lá conseguimos fazer nossa higiene e tomar banho”.
A reportagem tentou contato com a Secretaria de Administração Penitenciária, através da assessoria de imprensa, para saber se há previsão de retirada dos presos das viaturas da Região Metropolitana, mas não obteve retorno até o fechamento dessa reportagem. O número de pessoas que aguardam vaga não foi divulgado pelo governo do Estado.