O passamento do Fermino – (baseado no causo de José Luiz dos Santos)

"Este jornal vai ser feito para toda a massa, não para determinados indivíduos de uma facção". Foto: Arquivo CP

Entre um mate e outro, o José Luiz dos Santos que é lá da Boca do Monte me conta que o “Seu” Fermino, lá da Lomba Grande, gostava muito de uma farra e, mesmo na casa dos 70, ainda “atacava o lagarto“. Toda vez que saía de São Léo pra receber os pilas do INSS se bandeava pra cidade grande gastar os cobres no percanterío.

Certa feita, meio que se perdeu nos horários e saiu numa sexta só voltando no sábado pela manhã, um tanto zonzo da borracheira no Lupanar da Diva . Indagado pela demora e por onde andava até aquelas horas largou a desculpa esfarrapada: “- Como demora a atender esse pessoal dos bancos!”.

Dona Candoca, sua esposa, que lhe esperava na porta alvorotada num misto de preocupação e indignação, sentenciou: “- Desta vez passa, mas na próxima tu vais dormir no olho da rua ou então voltar pro chinaredo, por onde decerto tu andavas”. E arrematou: “- E ainda bota a culpa nos bancos, seu descarado!”. E ficou de bituca só esperando o dia da paga pra ver se o véio se mandava à la cria novamente.

Chegado o dia do recebimento da aposentadoria, almoçou, se botou bombacha nova, lenço vermelho no pescoço, glostora nas melenas, se tapou de água de cheiro pra aliviar a morrinha do sovaco e se foi a trapo pro povoado, mas bem recomendado pela mulher velha: “- Tu não te esquece que se voltares tarde não vais entrar nas casa!”.

Depois de sacar seus caraminguás se topou com o Desidério que há tempos não se viam e já se armou o bolor. Foram pro boteco jogar conversa fora. E o Fermino vez que outra lembrava da dona Candoca e do sermão passado.

Tomaram todas e tomaram o rumo do Lupanar pra dar uma miradita nas candongas. Só saíram quando já não tinha um triste freguês no recinto, nem as percantas aguentaram o tirão.

O porre era tanto que tiveram de colocar o Fermino engarupado no flete que o conduziu até o rancho. Em lá chegando, apeou e bateu na porta : “- Candoca, abre que to na aragem!”.

No que a Candoca retrucou: “- Não abro nem que a vaca tussa. Eu te falei pra ti que se me chegasses tarde não entrarias!”
“- Abre Candoca, to chairado de sono!”
“- Não abro nem que o Chico venha debaixo!”
“- Candoquinha, tô loco de frio!”
“- Não abro! Vai te esquentar com tua changas!”

E aquele abre não abre acordou a vizinhança! Então, o velho deu a última cartada: “- Se tu não abrir essa porta, eu vou me matar! Vou me atirar no poço e ninguém mais vai me ver!”.
“- Pode te atirar cachorro, sem-vergonha!”, respondeu ela.

Sorrateiramente, Fermino pegou um tijolo dos grandes ao lado das casa e atirou no poço. Após o “tchibuuuum” do barulhão que o tijolo fez, jogou o chapéu que ficou boiando e se escondeu atrás de uma bergamoteira que tinha no oitão da casa. Foi um silêncio profundo, só quebrado pela cantiga compassada de um grilo que teimava em cantar naquela hora.

Daí um pouco , a porta se abriu devagarito e o pessoal foi saindo despacito pra ver o acontecido. Um dos netos avistou o chapéu e gritou: “- O vovô se finou mesmo!”. Foi o que bastou! Começou a choradeira e, com ela, o arrependimento da dona Candoca por não ter deixado o velho entrar. Mas agora só restava esperar clarear o dia e chamar os vizinhos, os bombeiros, a polícia, o pessoal da funerária, enfim…

Nesse meio tempo, enquanto todos choravam ao redor do poço, “Seu” Fermino entrou pé por pé e deitou no catre que tinha na despensa da casa e dormiu tranquilito nomás. Só foi descoberto quando a neta mais nova foi pegar uma lata de banha pra providenciar os pães que seriam servidos no velório.

Um misto de alegria, espanto, indignação pela farsa montada, mas por ver o vô vivo e bem na foto, saiu gritando pelo recinto já montado para o passamento, e foi aquele alvoroto e a tristeza virou numa comemoração.

Ninguém percebeu quando dona Candoca chegou no ouvido do véio Firmino e lascou a sentença: “- Da próxima vez, te mata de verdade, cara deslavada!!!”.