Decreto de armas extrapolou regulamentação, dizem pareceres da Câmara e do Senado

Técnicos alertaram que texto contraria normas do Estatuto do Desarmamento, de 2003

Foto: Álvaro Grohmann / CP

As áreas técnicas da Câmara dos Deputados e do Senado divulgaram hoje pareceres contrários ao decreto que muda regras sobre aquisição, cadastro, registro, posse, porte e comercialização de armas de fogo no País.

O presidente Jair Bolsonaro assinou a norma, na última terça-feira. De acordo com estudo elaborado pelo Senado, o decreto contraria o que estabelece a legislação atual, o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003.

“O decreto pode contemplar qualquer pessoa, entidade ou categoria, presumindo, de forma absoluta, que ela necessitaria do porte de arma de fogo para o exercício da sua atividade profissional ou para a defesa da sua integridade física”, cita o estudo, elaborado a pedido dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Fabiano Contarato (Rede-ES).

Segundo o parecer, a lei atual prevê que “agentes operacionais do sistema penitenciário” tenham o porte e não todo e qualquer funcionário do sistema, como estabeleceu o decreto. “Vê-se então, claramente, que o decreto é, nesses pontos, exorbitante, ampliando os servidores habilitados a portar arma naqueles órgãos”, segue o documento.

Pela nota técnica, o decreto também extrapola o poder regulamentar ao conceder o porte de arma de fogo geral e irrestrito a colecionadores e caçadores, presumindo, de forma absoluta, que essas categorias cumprem o requisito de “efetiva necessidade” do Estatuto do Desarmamento.

“É importante salientar que a concessão do porte de arma de fogo a várias dessas categorias, como por exemplo o oficial de Justiça e o agente de trânsito, são objeto de proposições legislativas que estão tramitando há vários anos no Congresso Nacional. Assim, enquanto não são autorizadas, por lei, a obterem o porte de arma de fogo, todas elas deveriam, nos termos do art. 10 do Estatuto do Desarmamento, obter autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido junto a Polícia Federal, devendo comprovar, dentre outros requisitos, ‘a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física’”, completa a nota.

Câmara
Em documento elaborado a pedido do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), técnicos também apontaram ilegalidades no decreto. Eles dizem que o decreto não pode se sobrepor ao que estabeleceu o Estatuto do Desarmamento.

“A lei [Estatuto do Desarmamento] não permite que norma infraconstitucional estabeleça presunção absoluta ou relativa de cumprimento desse requisito. A lei é clara no sentido de que deve haver demonstração efetiva da necessidade do porte, devendo cada caso concreto ser analisado pelo órgão competente.”

Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já havia informado que o estudo identificou “algumas inconstitucionalidades”. Ele disse, ainda, estar dialogando com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, para negociar a possível retirada de trechos que podem ser considerados “invasão da competência do Legislativo”.

Também nessa quinta-feira, em uma live transmitida pelo Facebook, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ter assinado o decreto “no limite da lei”.