Após o prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) afirmar que “quer engatar a primeira marcha do trator que vai derrubar o muro da Mauá”, a discussão acerca da hipótese de remoção da estrutura voltou à tona em Porto Alegre. O tema, polêmico, divide opiniões entre especialistas e também entre ex-prefeitos da Capital. A concordância, entretanto, parece vir de dois pontos: a necessidade de alternativas para dar segurança contra enchentes e os custos que uma eventual demolição e construção de um novo sistema vão acarretar.
Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs, Gino Roberto Gehling garante que remover o muro não é a melhor alternativa. “O que se pretende restituir é a visão privilegiada da orla, e felizmente nós temos projetos que preveem a revitalização da área junto ao cais. Hoje não temos espaços abertos ao público, mas pelas providências vai haver esse espaço. Se alguém pensa em derrubar o muro para que se veja a orla de qualquer ponto, é muito arriscado”, afirmou.
Além disso, o professor ponderou que o atual período, de recessão, não é mais adequado para o que chamou de “obra de desconstrução”. Como alternativas, apontou a hipótese de um “coroamento”, a partir do qual pode se diminuir a altura do muro, mas sem removê-lo. “Para que não pareça radical a minha opinião, essa seria uma alternativa, especialistas poderiam rever o projeto de hidráulica, fazer novos estudos, e se acharem razoável rebaixá-lo, que o reduzam, mas que a estrutura seja mantida”, finalizou.
Já o professor Benamy Turkienicz, docente da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs, apontou que a retirada do muro é viável, tendo em vista o avanço da tecnologia no que tange à prevenção de intempéries climáticas como as enchentes. Ele citou exemplos contemporâneos, como o sistema de estruturas temporárias (utilizadas apenas em tempos de cheias), a título de alternativas ao atual muro. Do mesmo modo que o professor Gino, ressaltou que a redução para uma estrutura menor, mais baixa, pode ser uma alternativa.
“Qual o tempo de retorno de uma enchente de 4,10 metros, que teria sido a altura das águas da grande enchente de 1941? Parece que a previsão de retorno para uma lâmina dessa altura é de aproximadamente 600 anos. Então teríamos um muro de três metros para uma taxa de retorno de 600 anos. Uma cortina de 60 centímetros acima do solo, até de 45, já seria suficiente para nos tranquilizar, porque nada iria acontecer com alagamentos se tivéssemos cortina com esse tamanho.”
Por fim, também apontou a necessidade de se observar as finanças para uma obra dessa monta: “existem estudos técnicos que autorizam dizer que se pode tirar o muro. A questão é o custo, se alguém está interessado em derrubar o muro precisa saber quanto vai custar substituir uma estrutura que existe por outra, que precisa ser construída”.
Esfera Pública ouve opinião de ex-governantes sobre o muro
Quatro ex-prefeitos e um vice-prefeito de Porto Alegre se pronunciaram sobre a questão do muro da Mauá, na tarde de hoje, no programa Esfera Pública, da Rádio Guaíba. Mais uma vez, a preocupação com a segurança da cidade e com os custos de uma eventual demolição vieram à tona.
João Dib, prefeito da Capital pelo PDS entre 1983 e 1985, usou de metáforas para analisar a questão: “alguns muros devem ser derrubados na administração, nunca o muro da Mauá. Porque ele está ai? Em 1967, contrariando as estatísticas, o rio transbordou, e eu vi a frente da Prefeitura cheia d’água. A natureza é livre, ela não respeita estatísticas, temos que manter o muro e temos que cuidar para que ele se mantenha intacto. Penso que ele precisa de alguns reparos, e o prefeito tem outras coisas para derrubar, muros imaginários. Claro que ele não vai chegar ao nível de um Loureiro da Silva, mas poderia cuidar de derrubar alguns muros e melhorar a administração”, sinalizou.
Para Raul Pont, prefeito da Capital pelo PT entre 1997 e 2000, o muro é parte de um sistema de proteção hídrica muito maior do que apenas a parte visível junto à avenida Mauá. “O muro é uma parte do sistema. Nós vamos derrubar a Edvaldo porque ela tapa uns metros do rio? Vamos derrubar o dique da BR-290? Sem essas obras estaríamos vulneráveis às cheias em diferentes pontos da região, e o muro faz parte desse esquema de contenção de cheias. Tirar o muro significa ficarmos à mercê de acidentes geográficos, como as grandes enchentes”, afirmou.
Já José Fortunati, que era vice de Pont e de José Fogaça e governou Porto Alegre pelo PDT, de 2010 a 2016, endossou a preocupação do antecessor com a segurança hídrica da Capital. “São 68 quilômetros de sistema de proteção contra cheias, três deles de muro. É importante que, se alguém quer defender a derrubada do muro, que traga documentos para que a gente possa, no futuro, responsabilizar quem defender a retirada. Antes, bradávamos contra o muro porque era uma área de segurança, era impossível passear por aquela área. Isso mudou. Sem entrar na polêmica dos atuais concessionários, eu defendo a restauração da área. Será aberto ao público, e o muro passará a ser uma vantagem: trará mais segurança para quem frequentar a área. Sinceramente, não consigo ver pertinência na derrubada do muro”, disse.
Já Sebastião Melo, que era vice de Fortunati entre 2013 e 2017 e disputou a Prefeitura nas últimas eleições, pelo PMDB, disse que é preciso casar o interesse urbanístico da cidade com a segurança. “Sei que tem alternativas pra isso. Se pode baixar o muro da Mauá, tem sistema de placas, isso faz com que a cidade dialogue com o cais do porto e a cidade fique segura. Não dá pra simplesmente derrubar o muro e não colocar algo no lugar, não se tem régua pra medir rios, a gente tem que dar um passo adiante, saber quando a cheia chega aqui, e hoje há alternativas, pra monitorar as cheias e usar de alternativas para evitar inundações”.
José Fogaça, gestor entre 2005 e 2010 pelo MDB, disse que mantém a mesma posição de quando era prefeito, que é contrária à derrubada. “Durante meu mandato na prefeitura eu acompanhei muito o que ocorreu em New Orleans (furacão Katrina, que devastou a cidade norte-americana em 2005), e vi que muito do que aconteceu foi por se achar que não poderia ocorrer nenhum desastre, mas isso acabou acontecendo, e em proporções gigantescas. Então a precaução é importante e necessária, então por questões de segurança eu sempre me opus à derrubada do muro”, disse.
“Quero engatar a primeira marcha do trator que vai derrubar esse muro”
O assunto voltou às manchetes após a declaração do prefeito Nelson Marchezan Jr., de que pretende “engatar a primeira marcha do trator que vai derrubar o muro da Mauá”. Imediatamente, o vereador Idenir Cecchin, do MDB, desengavetou projeto de 2010 que trata da questão. À época, o legislador propôs à Casa a retirada da estrutura, mas o projeto acabou arquivado.
“Por uma série de ‘nãos’, já que em Porto Alegre temos mais ‘nãos’ do que ‘sins’”, criticou o parlamentar, em entrevista para o Direto ao Ponto dessa quarta-feira. Cecchin afirmou ainda que “ficou feliz” com a intenção do prefeito em defender a derrubada do muro, “para que se integre a cidade com o cais Mauá”. Ele acrescentou que é preciso fazer uma discussão “séria e honesta sobre o tema”, e que há outras alternativas para o muro.
“Certamente hoje nós temos sistemas de proteção de enchentes muito mais eficientes do que esse muro, que divide a cidade”, acrescentou. Questionado se acredita em maior apoio popular e também respaldo dos colegas da Câmara, o vereador afirmou que sim: “já discuti com vários vereadores, eles estão dispostos a discutir a questão. A cidade quer conviver com o cais”, ponderou.
Prefeito quer derrubar “outros muros”
Marchezan Jr, em pronunciamento na segunda-feira, reafirmou o desejo de derrubar a estrutura e devolver o contato da cidade com o Guaíba: “eu vim aqui por causa do muro, por causa dos muros. Quantos muros nós temos aqui na cidade de Porto Alegre?”, questionou. Marchezan afirmou ainda que “os muros nos protegem dos nossos medos”, e acrescentou que “nós não temos vida ao redor dos muros, porque eles barram a vida, as ideias e os relacionamentos”.
O chefe do Executivo reforçou, ainda, que “onde foram colocados muros, pra nos proteger dos nossos medos, os índices de criminalidade são maiores”. As declarações foram dadas durante cerimônia de inauguração do Cais Embarcadero, parte integrante do chamado “Marco Zero” da revitalização do Cais Mauá. Vale ressaltar, no entanto, que essa etapa, cuja parceria é de quatro anos, e não resolve o imbróglio com a empresa Cais Mauá, responsável pelas obras de restauro desde 2010, mas que – por uma série de motivos – ainda não saíram do papel e correm o risco de ter o contrato rescindido.
Marchezan também usou o eufemismo “caranguejos” para se referir a grupos de pessoas que se opõem ao avanço de muitos projetos da cidade. “A Prefeitura de Porto Alegre tem papel limitado, mas importante, na questão do Cais. Em 2017, respeitando o trabalho de todos os outros que passaram pela Prefeitura, conseguimos dar a primeira licença para as obras”, afirmou, declarando ter interesse em resolver, em definitivo, a questão das obras de revitalização.