Considerado um dos mais importantes artistas plásticos do Rio Grande do Sul, Danúbio Gonçalves, de 94 anos, faleceu na manhã deste domingo, em Porto Alegre. Pintor, desenhista e gravurista premiado, ele vivia em uma clínica geriátrica na Capital, onde morreu dormindo.
Natural de Bagé, era contemporâneo de Carlos Scliar e Iberê Camargo, estudou com Cândido Portinari e era influenciado por Diego Rivera e Frida Kahlo.
A filha, Sandra Rodrigues, divulgou a notícia. O velório e o sepultamento ocorreram no cemitério João XXIII. Em Bagé, a Prefeitura decretou três dias de luto oficial.
Amigo de mais de 50 anos, o poeta e escritor Luiz Coronel não pestaneja ao afirmar que Danúbio era o maior artista visual gaúcho que conheceu. “Era de uma captação de movimento e senso de inovação de cores que ninguém conseguia imitar. Artista inquieto e com uma grande ansiedade criativa”, contou.
Vizinhos no bairro Petrópolis, ambos trabalharam juntos algumas vezes, como no livro-álbum “Revolução Farroupilha”. Segundo o escritor, um dos sonhos de Danúbio era criar uma fundação com as obras dele, o que acabou não sendo possível. “Invadiram a casa dele, e muita coisa acabou perdida”, relata Coronel.
Segundo a secretária estadual de Cultura, Beatriz Araújo, a trajetória do artista e do professor Danúbio Gonçalves, e o comprometimento dele enquanto ativista e extensa obra constituem um legado importante para a cultura gaúcha. “Era um artista brilhante e hoje estamos mais pobres com sua morte”, lamentou.
Como produtora cultural, Beatriz produziu o livro “Sítio Charqueador Pelotense”, de Ester Gutierrez. “Belíssimo trabalho, com ilustrações maravilhosas do Danúbio, até então inéditas em publicações. Ele foi extremamente generoso e interessado na viabilização do projeto”, recordou.
O diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), Francisco Dalcol, também se manifestou sobre o falecimento do artista: “é um dos nomes mais importantes da história das artes visuais do RS, tendo pertencido a uma geração que se empenhou em introduzir e difundir no estado as linguagens artísticas modernas. E, ao mesmo tempo, foi um artista que se projetou fora por sua postura de não adesão a modismos e por seu engajamento político e social, representado na fase de sua obra marcada pelas xilogravuras inspiradas nos trabalhadores das charqueadas e nos mineiros, nas quais se destacou pelo exímio tratamento gráfico e documental. Defendia que o artista tinha de ter posicionamento político, e que o papel da arte não se desvinculava da realidade”.
A filha do artista plástico Xico Stockinger, Jussara Stockinger, também lamentou a morte, com uma comovente curiosidade. “Danúbio Gonçalves, grande artista, amigo do meu pai e, assim como ele, morreu em um domingo de Páscoa. Dia triste”.
Vida em filme
A trajetória do artista, trineto de Bento Gonçalves, ganhou as telas de cinema em 2010 no projeto “Grandes Mestres”, com o episódio “Danúbio”, com direção de Henrique de Freitas Lima. Na época, o artista, então com 87 anos, seguia em plena atividade. A amizade entre os dois gerou a abertura do filme “Contos Gauchescos”, dois anos depois. O cineasta se manifestou em redes sociais: “ficam o filme que fizemos juntos sobre sua obra e trajetória, a bela abertura dos nossos Contos Gauchescos e a saudade dos amigos. Descansa em paz, homem e artista que eu aprendi a amar e que muito me ensinou”.
O ápice do documentário marcou a realização de um sonho antigo de Danúbio: conhecer o México e os artistas do país. Entre os melhores momentos da viagem, o encontro com o gravador e mestre-impressor Mario Reyes. No México, Danúbio aproveitou para compartilhar técnicas e executar gravuras junto com o mexicano. Entre os pontos em comum, a figura feminina como inspiração.
Um professor versátil
Quando tinha dez anos de idade, Danúbio Gonçalves mudou-se para o Rio de Janeiro, onde viveu durante catorze anos. Em 1950 chegou a morar em Paris. Retornou ao Brasil em 1951 e fundou o Grupo de Bagé, com Glauco Rodrigues e Glênio Bianchetti. Em Porto Alegre, participou do Clube da Gravura, ao lado de Scliar, Vasco Prado, Rodrigues e Bianchetti.
Entre 1969 e 1971, trabalhou como professor de gravura no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Entre 1970 e 1978, ministrou palestras e deu cursos de xilogravura, litografia, desenho e pintura no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.
Dedicou-se também ao mosaico, realizando obras em painéis na Igreja de São Roque, em Bento Gonçalves; no Santuário do Sagrado Coração de Jesus, junto ao túmulo do padre João Batista Reus, em São Leopoldo; e na Igreja de São Sebastião, em Porto Alegre. Publicou dois livros: um de caráter ensaístico sobre arte em geral (Do Conteúdo à Pós-Vanguarda, 1995) e outro sobre técnicas de pintura (Processos Básicos da Pintura, 1996).
A obra de Danúbio também compõe inúmeras coleções particulares e acervos, como os do Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli, da Pinacoteca Pública Aplub (Porto Alegre), do Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro), na Pinacoteca do Estado de São Paulo, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, e do Museu de Arte Moderna de São Paulo, por exemplo.
Você conhece a obra de Danúbio, mas talvez não saiba
Quem passa pela Estação Mercado do Trensurb, já deve ter prestado atenção a uma obra que estampa o espaço cultural Praça Revolução Farroupilha. Ali está o painel Epopéia Rio-grandense, Missioneira e Farroupilha, de Danúbio Gonçalves. Foi construído em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre, durante a execução do projeto de revitalização do metrô gaúcho.
Inaugurado com a praça, em dezembro de 2008, o painel é composto por 555 lajotas e porcelanatos em uma extensão de 16,5 metros de largura por três metros de altura. “Lembro que Danúbio, já idoso, carregava cada uma daquelas lajotas, com uma vontade”, relembrou o amigo e curador do painel, Luiz Coronel. A pintura dos porcelanatos foi feita manualmente, com uma tinta importada da Alemanha em tom de azul.
O painel retrata o contexto cronológico da Revolução Farroupilha. São personagens e frases retratando as diferentes fases do conflito. O lado esquerdo da obra mostra as Missões de Sepé Tiaraju, passa pela luta entre os espanhóis e os índios guaranis, por Garibaldi, pelos Lanceiros Negros, pela proclamação da República Rio-Grandense e finaliza com Bento Gonçalves.