Mais da metade dos detentos estão ligados a facções dentro dos presídios da região Metropolitana

Facções mantém disputa de espaço e poder dentro e fora das casas prisionais do RS

Foto: Alina Souza / CP Memória

Enquanto 69% de toda população carcerária gaúcha não possui ligação com facções, na região Metropolitana apenas 47% dos detentos não estão ligados a grupos criminosos. Juntas, as unidades prisionais de Porto Alegre, Charqueadas, Guaíba, Canoas e Gravataí reúnem quase 10 mil detentos nos regimes aberto, semiaberto e fechado e 21% deles são ligados a facção Os Abertos. O grupo Os Manos representam 13% e os Bala na Cara somam 8%.

Se levado em consideração todas as casas prisionais do Estado, a hegemonia dos Abertos se mentém, com 11% da população carcerária. Os Manos representam 8% e os Bala na Cara 4%. O número de detentos sem facção, de acordo com dados da área prisional obtidos pelo Correio do Povo, está em 69%.

No Estado ainda encontramos facções com pequena participação no sistema carcerário. Muitas têm presença apenas em determinada região ou ficam gravitando em torno de uma maior, casos como os Unidos Pela Paz, Vândalos e Mata Rindo, que ocupam 0,5% nas casas prisionais, assim como os grupos criminosos Farrapos, K2, Tauras, Cebolas e Comando Pelo Certo.

Na Região Metropolitana, Capital e Complexo Penitenciário de Charqueadas pode-se observar a existência de facções de menor presença, mas que podem ser aliadas, em determinadas situações, dos grupos criminosos de maior monta. Dentro desse universo estão Os Tauras (1%), V7 e Unidos Pela Paz (ambos com 2%) e Farrapos e comando Pelo Certo (ambos com 3%).

O fenômeno das facções não é novo, mas também não é tão antigo, segundo sociólogos. O modelo deste tipo de grupo surgiu com o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, e com o Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro, que foram formados, em um primeiro momento, para reivindicar condições melhores dentro dos cárceres.

As facções gaúchas começam a surgir nos anos 90. De acordo com o vice-governador e Secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul, Ranolfo Vieira Junior, a primeira a se formar foi a Falange Vermelha, no tempo de Dilonei Francisco Melara. No entanto, outras aos moldes desta surgem aos poucos, até atingir todo o Estado. “Nos últimos quatro ou cinco anos houve crescimento muito significativo das facções aqui no RS”, disse Vieira Junior. “Antes, elas ficavam restritas ao Presídio Central e ao Complexo de Charqueadas. Atualmente estão em praticamente todas as casas prisionais.”

No entanto, ao contrário de São Paulo, que praticamente tem apenas o Primeiro Comando da Capital (PCC) como uma organização forte, o Rio Grande do Sul tem várias, que dominam determinadas áreas. Isso, de acordo com o secretário de Segurança Pública, se deve muitas vezes à ausência do Estado dentro do sistema prisional. “A ausência do Estado nos estabelecimentos penais acaba transferindo poder aos detentos”, acentuou Vieira Junior. “E não é apenas proteção que essas facções proveem às pessoas recém-presas, mas também ‘assistência social’ extensiva à família do preso. Claro que quando ele ganhar a liberdade terá uma dívida com a facção e terá que ser paga, obrigatoriamente”, disse Vieira Junior.

A proliferação das facções, no entanto, também pode ser o fim de algumas. Segundo Vieira Junior, uma gangue tem um líder, mas tempos depois vem outro preso que se diz líder e, em seguida, mais outro. Alguns grupos criminosos chegam a se dividir em três, gerando muita rivalidade e disputas, que, não raro, acabam em morte. Outras facções ficam gravitando ao redor de uma organização maior.

Os criminosos gaúchos também descobriram que certas atividades ilícitas geram lucro maior que assaltos ou outros crimes. De acordo com Vieira Junior, as gangues também se dividem conforme a atuação de cada uma. Parte delas age no tráfico de drogas e têm que se preparar para enfrentar uma guerra pela hegemonia nas regiões onde atuam. Outras, porém, começam vendendo drogas, mas acabam diversificando sua ação. “Muitos chefes de facções acabam indo para jogo clandestino, lavagem de dinheiro ou se estabelecendo em vários ramos formais”, comentou o secretário de Segurança Pública, ressaltando que do Primeiro Comando da Capital (PCC), nos anos 90, até os dias atuais, o crescimento desses grupos criminosos não parou.

O surgimento das facções no Rio Grande do Sul tiveram motivação diferente das do resto do Brasil. Segundo o juiz Sidinei José Brzuska, titular da 2ª Vara de Execuções Criminais, as organizações nos presídios gaúchos tiveram um viés econômico, ao passo que no centro do país, em um primeiro momento, o motivo foi proteção. Logo após assumir o comando do Presídio Central, a Brigada Militar identificou um preso de apelido Brasa como sendo uma liderança. “O Brasa transformou a cadeia em um local de comércio, o que, com o passar do tempo, foi sendo assimilado e seguido pelos demais”, disse o juiz.

Para minimizar a ação das facções, comenta Brzuska, o Estado deve voltar a prestar serviços penitenciários com qualidade, para que o preso não precise de facção para que suas necessidades básicas sejam atendidas. “O Estado também deve voltar a assegurar a integridade física do preso, que hoje é feita pela facção.”

A matéria completa está na edição do + Domingo do Correio do Povo.