Ajuris repudia recomendação de Bolsonaro para celebrar início do regime militar

Comunicado pontua que manifestações como essas não contribuem para o amadurecimento da democracia e fazem despontar sentimentos de perda, de tristeza, de dor e de luto

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) criticou a recomendação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de estimular as forças armadas a celebrarem a tomada de poder, com a derrubada do governo do presidente João Goulart, em 31 de março de 1964. Em nota, a Associação manifestou “cabal inconformismo” com a decisão, lembrando que a ditadura culminou com o cerceamento da liberdade das pessoas, com a prática de tortura, prisões e assassinatos de cidadãos contrários ao regime militar.

A Ajuris também reforça que, durante o período ditatorial, “o Poder Legislativo viu-se alijado de suas funções mais elementares e o Poder Judiciário teve juízes, inclusive ministros do Supremo Tribunal Federal, cassados e compulsoriamente afastados de suas funções”. O comunicado, assinado pela presidente da Ajuris, Vera Lúcia Deboni, pontua que manifestações como essas não contribuem para o amadurecimento da democracia e fazem despontar sentimentos de perda, de tristeza, de dor e de luto.

Na segunda-feira, o presidente Bolsonaro orientou os quartéis a comemorarem a “data histórica” de início da vigência da ditadura militar, que persistiu até 1985 e ficou marcada pela morte e tortura de centenas de militantes políticos que se opuseram ao regime.

Em 2011, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), ex-militante torturada na ditadura, orientou os comandantes da Aeronáutica, do Exército e da Marinha a suspenderem qualquer atividade para lembrar a data nas unidades militares.

OAB também critica

Mais cedo, o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, também criticou a proposta de Bolsonaro. Em manifestação pública, Santa Cruz afirmou que “comemorar a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa é querer dirigir olhando para o retrovisor, mirando uma estrada tenebrosa”.

Santa Cruz apontou que o País vive “um cenário de crise econômica, com quase 13 milhões de desempregados”, e sugeriu “olhar para a frente e tratar do que importa: o futuro do povo brasileiro”.

“A quem pode interessar celebrar um regime que mutilou pessoas, desapareceu com seus inimigos, separou famílias, torturou tantos brasileiros e brasileiras, inclusive mulheres grávidas? Não podemos permitir que os ódios do passado envenenem o presente, destruindo o futuro”, concluiu.

Confirma nota da Ajuris na íntegra:

Nota pública: a indevida comemoração

A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS) vem a público manifestar o seu cabal inconformismo com as declarações veiculadas pela assessoria do Senhor Presidente da República, no sentido de concitar os militares brasileiros à realização de atos comemorativos, no próximo dia 31 de março, a pretexto do golpe militar ocorrido no ano de 1964.

A partir do dia 31 de março de 1964 sucedeu, em nosso país, a instauração de um regime de exceção, em descompasso com a Constituição vigente à época, e que culminou com o cerceamento da liberdade das pessoas, com a prática ignóbil da tortura e mesmo o assassinato de indivíduos que professavam ideário político contrário àquele do regime.

A exaltação, portanto, de uma data reveladora de período sombrio na história do país, em que o Poder Legislativo viu-se alijado de suas funções mais elementares e o Poder Judiciário teve juízes, inclusive ministros do Supremo Tribunal Federal, cassados e compulsoriamente afastados de suas funções, não contribui para o amadurecimento de nossa democracia e o apaziguamento de nossa sociedade.

A AJURIS ressalta que a virtual realização de tais atos, e a sua incitação, fazem despontar sentimentos de perda, de tristeza, de dor e de luto, que se abateram sobre diversas famílias brasileiras em nosso passado recente, sendo certo que, ao contrário do propugnado pelas declarações das mais altas autoridades de nossa República atualmente, deveriam, sim, servir de lição para sequer tangenciarmos festejos ou celebrações.

Os governos, independente da coloração partidária ou ideológica que possuam, devem mirar o futuro. Governar é olhar para adiante e construir as bases para o desenvolvimento das pessoas, da sociedade e do país. Reescrever a história não é prerrogativa dos detentores do poder.

Vera Lúcia Deboni / Presidente