Fórum extremista Dogolachan é fonte de atos violentos

Ministério Público de São Paulo vai investigar ligação de atiradores com o site

Site foi movido para a Deep Web, o que dificulta seu rastreamento | Foto: Reprodução

O massacre de oito pessoas em uma escola em Suzano novamente colocou os holofotes sobre um dos fóruns mais extremistas da internet: o Dogolachan. O site reúne de forma completamente anônima usuários que incentivam crimes e atitudes de ódio. Nas postagens, é comum ver menções a pedofilia, nazismo, racismo e homofobia.

Antes de entrarem na Escola Estadual Professor Raul Brasil decididos a matar, Luiz Henrique de Castro, 25 anos, e Guilherme Taucci Monteiro, 17, conversaram com administradores do fórum em busca de armas e dicas. Nas respostas, outras pessoas diziam querer fazer o mesmo e os classificaram como “homens honrados”. O ato é o ápice descontrolado de uma porção obscura da internet, de uma comunidade movida a ódio e uma visão distorcida da sociedade.

Para entender o Dogolachan, é necessário saber o que é um chan — basicamente um site que se baseia em discussões anônimas com imagens e textos. O mais conhecido é o americano 4chan, fundado em 2003. Um chan é dividido em canais (do inglês channel, daí a abreviação chan) específicos, como filmes, cultura japonesa, tecnologia e vários outros.

Mas o principal de todos os chans, conhecido como /b/, envolve postagens aleatórias. Nesse canal não existem muitas regras e é ali que a maioria das ações coordenadas dos chans nascem — algumas delas famosas, como a criação do movimento Annonymous. A não ser quando trocam alguma mensagem privada, os integrantes dos chans não se conhecem.

Passado criminoso

Já o Dogolachan foi criado em 2013 por Marcelo Valle Silveira Mello (ou Psy, Batoré ou Psytoré). Foi uma espécie de continuação da atuação dele no Orkut, com postagens de ódio contra negros, em 2005. Ao contrário do 4chan, onde todo o tipo de conteúdo é publicado, o Dogolachan é dedicado a conteúdos de ódio, especialmente contra minorias.

Também realizam ameaças e imputam crimes contra desafetos. É comum nas publicações ver prints de jornalistas e ativistas que seriam os “próximos alvos”.

Em um dos casos, atribuiu ao estudante Murilo Ianelli Chaves a autoria de uma ameaça de ataque a alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo, em dezembro de 2017. Chaves atribuiu a provocação a um projeto focado em denunciar o compartilhamento de imagens de pedofilia.

Em maio de 2018, Marcelo foi preso na Operação Bravata da Polícia Federal e em dezembro foi condenado a 41 anos, seis meses e 20 dias de prisão em regime fechado, por divulgação de imagens de pedofilia, racismo, coação, incitação ao cometimento de crimes, entre outros.

Desde então, o fórum é comandado pelo anônimo DPR, hoje o único administrador conhecido do site. A sigla é uma referência a Dread Pirate Roberts, o pseudônimo de Ross Ulbricht, fundador e administrador do site Silk Road. Até sua sentença de prisão perpétua, em 2015, Ulbricht era o dono de uma das maiores operações de drogas pela internet do mundo, segundo o FBI.

Assim como o Silk Road, o Dogolochan hoje opera na chamada Deep Web, uma porção da internet que só pode ser acessada por softwares ou configurações específicas. No caso dos dois, o site está hospedado na rede .onion, operado pelo aplicativo TOR, que mascara o IP (endereço da conexão do dispositivo) através de criptografia e garante anonimato.

Terrorismo

A medida tornou o site mais difícil de rastrear e suas atividades ainda mais obscuras. E ainda mais radicais. Em muitos casos, seus usuários se comportam como integrantes de grupos terroristas organizados, incentivando integrantes a cometerem atos violentos e suicidas classificados por eles como heróicos. Em um dos comentários sobre Guilherme após o massacre, um dos membros do fórum afirmou que “o verdadeiro evento vai ser quando chegar a vez do Rio Grande do Sul”.

Não é uma tática muito diferente do Daesh, que mantém fóruns secretos para ajudar no processo de radicalização de seus membros. Por lá são dadas dicas, distribuído material e iniciadas conversas sobre possíveis ataques.

Embora o Dogolachan e similares não possuam a estrutura formal de grupos radicais — a maioria de suas ações, até onde se sabe, é por iniciativa própria de seus membros —, o ambiente onde nasce a vontade para atos extremos é o mesmo.

Com “heróis” como Wellington Menezes de Oliveira (que matou 12 pessoas e a si próprio em abril de 2011, no massacre de Realengo), não é difícil prever o futuro de uma comunidade tão tóxica.