Números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta sexta-feira (8), Dia Internacional da Mulher, indicam que cresceu nos últimos dois anos o número de processos em andamento no Poder Judiciário de casos de feminicídio, violência contra mulher e adoção de medidas protetivas.
Segundo quadro elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, no ano passado, havia mais de 1 milhão de casos pendentes de violência doméstica, 13% a mais do que em 2016. O número de casos em andamento sobre feminicídio – o assassinato de mulheres por homens em razão das relações de gênero – cresceu no mesmo período 34% e chegou, no ano passado, a 4.461 processos pendentes. Quanto à adoção de medidas protetivas por decisão judicial, o crescimento foi de 36% e chegou a mais de 339 mil ações determinadas.
Reclassificação de estatísticas
Os dados foram colhidos nos tribunais de Justiça de todos os estados. Apesar do maior volume indicado de casos no Judiciário, não é possível, por meio desses dados, mensurar incremento da violência contra a mulher, afirma a diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias, Gabriela de Azevedo Soares. “Esses números precisam ser vistos com cautela”, diz Gabriela. Para ela, esse crescimento pode indicar aumento de registros em conformidade com as diretrizes do CNJ ou mesmo uma reclassificação de informações e estatísticas já processadas.
A desembargadora Daldice Santana, conselheira do CNJ, reforça a necessidade de os tribunais tipificarem os crimes de homicídio de mulheres, por causa de conflitos de relacionamento, como feminicídio. “Antes tudo era discriminado como assassinato, e o feminicídio ficava escondido como assassinato”, ressalta Daldice, citando a mudança de qualificação determinada pela Lei nº 13.104/2015
Caldo de cultura
Segundo a desembargadora, há na sociedade brasileira “um caldo de cultura onde o homem continua agindo como a mulher fosse coisa de sua posse”, e o Poder Judiciário é a última instituição de uma rede que pode agir para proteger as mulheres da violência. “Agora, temos que partir mais fortemente para a prevenção. Se não conseguirmos virar essa chave de cultura, fica difícil entrar nesse campo”. Daldice defende mais engajamento dos médicos que prestam socorro a vítimas de agressão, para que quebrem o sigilo sobre os atendimentos e relatem ocorrências suspeitas de violência doméstica.
“O sistema de saúde pode ajudar a mulher a romper o ciclo de violência”, afirma Daldice Santana, lembrando que é preciso alertar a rede protetiva antes que ocorram mortes brutais de mulheres. “O feminicídio é a ponta de uma espiral. O último recurso de violência cotidiana e de relacionamento abusivo”, alerta.
Esforço concentrado
Daldice Santana informou que, na próxima semana, os tribunais de Justiça de todo o país deverão fazer “um esforço concentrado” para analisar processos que envolvam qualquer tipo de violência, inclusive o feminicídio. O mutirão deverá ocorrer também nos meses de agosto, por causa do aniversário da Lei Maria da Penha, e em novembro, em razão do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres (25).
Nos últimos anos, o Conselho Nacional de Justiça tem adotado resoluções e orientado os tribunais em todo o país a atualizarem a análise de casos de violência contra a mulher. No ano passado, a Resolução nº 254 instituiu a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário.
Há oito anos, o CNJ determina que os tribunais de Justiça mantenham coordenadorias estaduais das Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Familiar e, há mais de uma década, recomenda a criação de jJuizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Citando dados do Mapa da Violência (2015), a Organização das Nações Unidas (ONU) diz que o Brasil é o quinto país que mais registra feminicídios – 4,8 assassinatos a cada 100 mil mulheres. A violência de gênero só é menor que em El Salvador (8,9 mortes a cada 100 mil), Colômbia (6,3), Guatemala (6,2) e Rússia (5,3).