Mais de 270 hospitais do Rio Grande do Sul funcionam sem alvará

Em Porto Alegre, apenas 3 das 29 instituições hospitalares possuem APPCI

Foto: Mauro Schaefer/CP

Mais de 270 hospitais do Rio Grande do Sul funcionam sem alvará. No total, conforme o Corpo de Bombeiros, 112 possuem o documento. Na Capital, apenas três dos 29 hospitais possuem Alvará de Prevenção e Proteção contra Incêndio (APPCI) em dia, conforme o chefe da Divisão de Prevenção Contra Incêndios do 1° Batalhão de Bombeiro Militar (BBM) de Porto Alegre, major Ederson Lunardi. São eles: Hospital Moinhos de Vento, Hospital Ernesto Dornelles e Policlínica Militar. Os demais ainda estão em tramitação no Corpo de Bombeiros (CBMRS).

O APPCI é a certificação emitida pelos bombeiros CBMRS de que a edificação está de acordo com a legislação vigente, conforme o Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI). A discussão sobre o tema veio à tona após incêndio ocorrido no Hospital Fêmina na tarde de sábado. O Grupo Hospitalar Conceição (GHC), responsável pela administração da instituição de saúde, admitiu que o Fêmina não possuía PPCI, informação também confirmada pelo CBMRS. A tramitação do documento na corporação está parada há mais de uma década, quando o hospital foi multado.

Em 2014 a instituição chegou a contestar a multa junto ao Ministério Público Federal (MPF), que por sua vez contatou o CBMRS, recebendo as informações necessárias. Desde então, não houve movimentação. “De lá pra cá os responsáveis não se movimentaram, foi inércia por parte da direção”, ressaltou o major. Sobre os demais hospitais, Lunardi reiterou que “cada um tem uma peculiaridade”. “O Hospital de Clínicas, por exemplo, tem questões de quatro ou cinco páginas de correções que precisam ser apresentadas, o Fêmina estava mais atrasado. De modo geral, todos estão em tramitação recente, em processo de análise das medidas. Alguns já apresentaram documentos que foram solicitados, agora precisamos analisar”, explicou.

Lunardi destacou que, mesmo sem o PPCI, isto não significa que a instituição não tenha prevenção instalada. “Tanto tinha (no Fêmina) que os brigadistas do local conseguiram evacuar rapidamente, sendo que se trata de um trabalho extremamente complexo em virtude da locomoção das pessoas”, afirmou. “As coisas pegam fogo”, reiterou Lunardi, mas é preciso estar com os equipamentos de prevenção em dia para que o fogo não se alastre. “Não temos mais aqueles incêndios que tivemos na década de 1970, por exemplo, que consumiam prédios inteiros. Atualmente o fogo fica confinado no espaço atingido, mas claro que só com o PPCI e com o alvará no final é possível dizer que uma edificação é segura”, enfatizou.

Mesmo com o alvará, de acordo com Lunardi, é possível ter dúvidas. “Não é porque tem o documento, também é preciso ter a manutenção dos equipamentos, tanto que interditamos três boates no final de semana, uma delas tinha o alvará, mas não estava de acordo com a vistoria anterior. Precisou ser interditada”, disse.

Atenção voltada aos hospitais

Entre as necessidades de adequações, principalmente em edificações consideradas complexas como creches, hospitais e asilos, segundo Lunardi, está a chamada área de refúgio. “É preciso separar os espaços, com portas corta fogo, então uma área seria o refúgio da outra, seria possível evacuar a ala que está em chamas, por exemplo, isolando o fogo sem muitas dificuldades”, explicou.

Por isto, conforme Lunardi, o CBMRS sempre reforça a importância do PPCI e dos alvarás. “Acho que agora vai dar uma movimentada depois do que aconteceu, nós também temos que ir lá incomodar, ficar notificando, já que os responsáveis ficam parados”, analisa. Conforme as regras, um estabelecimento – seja ele um hospital, uma creche ou uma casa noturna – tem 30 dias para apresentar o PPCI após a notificação dos Bombeiros. “A gente sabe que é complexo, principalmente em se tratando de hospitais públicos, mas pelo menos em algumas instituições de saúde têm movimentação, as coisas estão sendo encaminhadas. Em outras, nem isso”, assinalou. Agora, de acordo com Lunardi, o CBMRS estará com as atenções voltadas especialmente para os hospitais. “Temos que verificar se eles estão se movimentando”, disse.

Sobre a possibilidade de interdição dos locais sem PPCI, Lunardi ressaltou que somente instalações com iminente risco de vida são lacradas. “O prédio está lá há 50 anos e não pegou fogo ainda. Quem interdita por questões de funcionamento é a prefeitura, no caso de irregularidades com o alvará de funcionamento da edificação. Atualmente a prefeitura só libera o funcionamento de um estabelecimento com o PPCI, mas ainda temos dificuldades com edificações existentes”, pontuou.

Após o ocorrido, Lunardi afirmou que os hospitais que estão há um tempo fora do prazo estabelecido pelo CBMRS e sem movimentação, serão notificados. Com relação ao Hospital Cristo Redentor, por exemplo, que também pertence ao Grupo Hospitalar Conceição (GHC), a empresa que venceu a licitação para elaborar o PPCI da instituição é de Santa Catarina e, por conta disso, foi necessário realizar uma série de encontros para explicar a legislação gaúcha. “A gente busca também aproximação com os responsáveis técnicos, queremos que a prevenção esteja presente em todos os locais”, assinalou Lunardi.

Ainda com relação ao Hospital Fêmina e as indicações de que não havia alarme de incêndio nas instalações, o major reiterou que, na prática, ainda não se sabe se existe alarme no local. “Pela informação que temos era uma sala que estava em obras, sabemos que tem uma rede de hidrante, mas tivemos que usar nossas redes de mangueiras, subir até o sexto andar com a mangueira nas costas para combater o incêndio, isto é um problema. Uma edificação muito alta, pede o hidrante. Agora temos que fazer uma avaliação técnica do espaço”, disse.

Polícia investiga incêndio no Fêmina

A diretora do Departamento de Polícia Metropolitana (DPM), delegada Adriana Regina da Costa, informou que a Polícia Civil está ouvindo testemunhas e aguardando o laudo da perícia por parte do Instituto-Geral de Perícias (IGP). “Não estamos divulgando mais informações além disso”, declarou.

Ainda conforme Adriana, a análise das imagens das câmeras de segurança iniciaram dois dias depois do incêndio e, até o momento, não há indicação de suspeitos. “Funcionários e direção estão sendo ouvidos, o que é de praxe, mas não estamos indicando ninguém como suspeito até então, até porque não se sabe se o incêndio foi com intenção ou houve negligência, ainda está em aberto e não tem nada definido nesse sentido”, enfatizou.

Os apontamentos de possíveis “culpados”, segundo Adriana, só serão feitos após o recebimento do laudo da perícia. “É muito prematuro para a gente afirmar que tem suspeito, a perícia demora um pouco”, disse. Mesmo que a instituição seja vinculada ao Ministério da Saúde – portanto federal -, a investigação está com a Polícia Civil e, de acordo com Adriana, não há nenhuma previsão de que seja passada para a Polícia Federal.

O IGP informou que o local ficou bastante danificado, já foi realizada uma perícia preliminar, “mas devido ao grau de destruição da sala a perícia vai precisar retornar (talvez mais de uma vez) para reavaliar”. Como surgiram evidências novas da Polícia Civil, todo o trabalho precisa de um cuidado ainda maior. “Ainda não temos um prazo para finalizar esse processo por causa desses fatores, mas assim que tivermos novidades vamos repassar”.

Sindicato pede cautela

Para o Sindicato dos Enfermeiros do Rio Grande do Sul (Sergs) a situação é preocupante, ainda mais porque existe a tentativa de criminalizar funcionários. “A verdadeira responsabilidade do acidente é da gestão do hospital, que não tem o PPCI atualizado”, apontou o presidente do sindicato, Estevão Finger. Um trabalhador da enfermagem já foi demitido, acusado de ter causado o fogo. Ele foi apontado como suspeito por ter modificado a posição da câmera de segurança que fica na entrada da sala onde ocorreu o incêndio. Ele prestou depoimento à Polícia Civil e alegou que bateu na câmera enquanto carregava um suporte para soro.

O GHC também é responsável pela gestão de mais dois hospitais sem alvará de incêndio, conforme a entidade. Para Finger, culpabilizar os trabalhadores é muito grave e desvia a investigação dos verdadeiros responsáveis. “Houve negligência por parte da gestão do Grupo Hospitalar Conceição nessa situação como um todo. E a impunidade com o grupo nesse momento pode ocasionar novos incidentes”, destacou.

Já a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou que segue em contato constante com a direção do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). A Direção do Hospital informou à SMS que agora é preciso, além da perícia do IGP, e Vigilância em Saúde, a vistoria de engenheiros para confirmarem a estabilidade estrutural pós incêndio. Os pacientes que foram realocados no sábado, conforme a SMS, estão adequadamente sendo atendidos nos demais hospitais.

A SMS estará orientando a atenção primária para a necessidade de readequar as referências das gestantes nesse intervalo. Assim que liberadas as áreas para o retorno dos pacientes, e se houver indicação desse retorno, a Central de Leitos da SMS estará coordenando esse fluxo.

Confira a íntegra do comunicado divulgado pela diretoria do Grupo Hospitalar Conceição

“Em 9 de julho de 2016, esta Diretoria foi nomeada para gerir o GHC. Desde então, vem atuando ativamente frente a várias questões que envolvem a infraestrutura das unidades hospitalares e serviços de saúde vinculados a esta instituição, entre as quais destacamos as ações para implantação do Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI). Em 13 de julho de 2016, portanto quatro dias após a posse, foi designada uma comissão específica, composta por técnicos do quadro permanente da instituição, para o enfrentamento do tema.

Diante do importante número de leitos do GHC (Hospital Conceição 784, Criança Conceição 204, Cristo Redentor 237 e Fêmina 166), que juntos somam 1.391, em uma área construída de cerca de 110 mil metros quadrados, o cronograma de trabalho foi iniciado pelos hospitais Conceição e Criança Conceição, que compreendem 988 leitos e 60 mil metros quadrados.

O PPCI do Hospital Conceição está em aprovação no Corpo de Bombeiros desde 14 de junho de 2016. Desde então, este processo foi analisado pelos bombeiros quatro vezes, nas quais eles emitiram notificações de correções a serem feitas no projeto. Em 9 de novembro de 2018, foi emitida a última notificação de correção, e o hospital está atualmente trabalhando nas modificações necessárias.

O Hospital Cristo Redentor também se encontra com processo avançado. A elaboração do PPCI do HCR foi concluída e enviada para análise e aprovação pelo Corpo de Bombeiros em 9 de julho de 2018. Desde então, esse processo foi revisado pelos bombeiros uma vez. Em 24 de outubro de 2018, foi emitida a última notificação de correção, e o hospital está atualmente trabalhando nas modificações necessárias solicitadas pelo Corpo de Bombeiros.

Já a Escola GHC teve processo iniciado em 2018 no Corpo de Bombeiros. Porém, devido à inauguração de nova área da Escola (Espaço Fênix – antigo prédio que estava desocupado), foi necessário realizar novo protocolo. Foi solicitada a reanálise em 15 de janeiro de 2019.

A Unidade de Pronto Atendimento Moacyr Scliar, conforme informado pela Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, protocolou reanálise em 21 de novembro de 2018. O Hospital Fêmina, os postos de saúde e a Central de Logística estão em processo de licitação para levantamento das áreas físicas para confecção do PPCI.

Salientamos a efetividade da Brigada de Incêndio do Hospital Fêmina, que demonstrou competência, equilíbrio e agilidade no combate ao sinistro, por meio de ações que colaboraram para o bom desfecho do episódio. Também ressaltamos que todas as providências administrativas necessárias foram adotadas.

Agradecemos ao Corpo de Bombeiros, à Prefeitura de Porto Alegre, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, às equipes de remoção e aos profissionais de saúde do Hospital Fêmina e voluntários de outras instituições que compareceram ao local para ajuda ao sinistro naquela data”.