Palocci: “centenas” de MPs de Executivo e Legislativo “envolvem propina”

Ministro informou, entretanto, que Medida Provisória que beneficiou montadoras não teve ilegalidades

O ex-ministro Antonio Palocci afirmou, nesta quinta-feira, que há centenas de MPs (Medidas Provisórias) aprovadas para atender “ilicitudes” e que envolvem o pagamento de propina a membros do Congresso Nacional e do Executivo federal. As declarações foram prestadas em depoimento ao juiz substituto Ricardo Soares Leite, da 10ª Vara Federal de Brasília, na ação penal que trata da tramitação da MP 471/2009, na qual foram renovados benefícios fiscais a montadoras de veículos nas regiões Norte, Nordeste e centro-Oeste. Ele salientou, contudo, que a aprovação da  MP 471, em específico, não envolveu ilegalidades, tanto que ela passou em votação simbólica em 2010, de forma unânime pelos partidos do Congresso.

“Existem lobbies que só tratam de ilicitudes, e trocam medidas provisórias por propinas, e existem lobbies que são absolutamente legítimos, para atender interesses de empresas, de servidores, de categoria profissional e de regiões do país, e isso ocorre tanto no Legislativo quanto no Executivo”, comentou Palocci. “Existem centenas de situações em que essas MPs são editadas de maneira republicana, vamos dizer assim, e existem sim centenas de situações em que essas MPs são feitas de forma atribulada, de forma açodada, de forma não técnica e pra responder às necessidades ou a envolvimentos de propinas pra membros de governo ou membros do parlamento”, acrescentou. “Normalmente é para ambos, às vezes é só para governo e às vezes só para o parlamento, mas as propinas normalmente existem quando os lobbies menos comprometidos com as teses republicanas conseguem acesso ao Planalto ou acesso à Câmara dos Deputados ou ao Senado. Isso aconteceu muitas vezes”, completou.

Ainda segundo o ex-ministro, uma emenda parlamentar incorporada à MP 627/2013 decorreu de negociação entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o lobista Mauro Marcondes, ocorrida em 2014. A defesa de Lula desmente as acusações (leia o posicionamento completo ao final).

O advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, interrompeu a sessão várias vezes reiterando que o depoimento de Palocci sobre a MP 627/2013 está pendente de decisão judicial e não fazia parte da ação. O juiz Leite, contudo, afirmou ver correlação de fatos e permitiu as declarações.

Segundo Palocci, o filho de Lula o procurou na consultoria do qual era sócio, em São Paulo, entre o fim de 2013 e o início de 2014, pedindo ajuda para obter de empresas ao menos R$ 2 milhões a fim de viabilizar um dos empreendimentos dele. Mas o próprio Lula, segundo o ex-ministro, lhe informou posteriormente já ter obtido o dinheiro com o lobista Mauro Marcondes.

Palocci declarou que o filho de Lula desconhecia as tratativas da renovação da MP. Ele também não confirmou se houve de fato o pagamento ao filho de Lula, declarando apenas o que disse ter ouvido do ex-presidente Lula. “O Luís Cláudio não tratou (da renovação da MP). O Luís Cláudio me procurou e disse que precisava para o evento que ele lidera, para fechar o evento em 2014, de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões, e ele foi pedir para que eu o ajudasse a conseguir o recursos de minhas empresas conhecidas. Ele sabia que eu prestava consultoria para muitas empresas e conhecia muitas empresas, (então) ele foi pedir apoio. Eu não fiz nada porque não pude, e fui falar com ex-presidente Lula para ver se ele autorizava, porque sempre que alguém pedia em nome do ex-presidente Lula, eu consultava o presidente Lula”, narrou o ex-ministro.

“Aí que o ex-presidente me falou que: ‘não precisa atender o Luís Cláudio porque eu já resolvi esse problema com o Mauro Marcondes’. Aí perguntei por que ele me procurou. O presidente disse: ‘porque ele não sabe que eu fiz isso, ele não sabe, por isso ele te procurou, mas pode esquecer porque eu já resolvi o problema dele com o Mauro Marcondes'”, detalhou Palocci.

Defesa

O advogado Zanin Martins, que defende Lula, disse que o depoimento do ex-ministro Antonio Palocci é “mentiroso”. “Por isso mais uma vez o ex-ministro recorre a narrativas que envolvem conversas isoladas com Lula, expediente que já havia recorrido em depoimento prestado perante a Justiça Federal de Curitiba”, escreveu o advogado do petista.

Leia o posicionamento completo:

O ex-ministro Palocci aproveitou de seu depoimento na ação penal 003754446.2017.401.4.01.3400 para, de forma inusual, tomar a iniciativa de fazer afirmações sem qualquer relação o processo, com o nítido objetivo de atacar a honra e a reputação do ex-presidente Lula e de seu filho Luis Claudio. Ao ser confrontado pela defesa de Lula, Palocci teve que reconhecer que (1) recebeu benefícios de redução de pena e também patrimoniais com sua delação; (2) que um dos temas tratados em sua delação diz respeito a medidas provisórias; e que (3) foi advertido pela autoridade policial que firmou o acordo que se a narrativa do ex-ministro não for confirmada ele poderá perder os benefícios recebidos. Palocci, portanto, não é uma testemunha – que fala com isenção – mas alguém interessado em manter as relevantes vantagens que obteve em sua delação.

O ex-ministro ainda reconheceu que as supostas conversas que afirmou ter mantido com Lula e Luis Cláudio não tiveram a presença de qualquer outra pessoa, não havendo, portanto, qualquer testemunha sobre a efetiva ocorrência dos encontros e do teor do assunto discutido. Palocci sabe que suas afirmações são mentirosas e que por isso não poderão ser confirmadas por qualquer testemunha. Por isso mais uma vez o ex-ministro recorre a narrativas que envolvem conversas isoladas com Lula, expediente que já havia recorrido em depoimento prestado perante a Justiça Federal de Curitiba. Cristiano Zanin Martins”.