HIV/AIDS: o medo agora é outro

Mudanças no comportamento diminuem cuidados na prevenção do vírus

Foto: R7

Quase 40 anos depois da descoberta do vírus HIV, a medicina evoluiu ao ponto de permitir que os portadores levem uma vida normal, com carga viral menor do que 1%. A cura, entretanto, ainda não veio, e a garantia para a supressão do vírus se dá apenas com o uso regular e ininterrupto de medicamentos antirretrovirais para toda a vida. Os cuidados e a prevenção, entretanto, também diminuíram a partir dos avanços da medicina.

Os dados atuais e o RS

Na última terça-feira (26) o Ministério da Saúde apresentou os dados anuais referentes ao HIV/AIDS no país. Em números gerais os índices de incidência diminuíram no Brasil, mas o Rio Grande do Sul segue ocupando o primeiro lugar entre os Estados em praticamente todos os aspectos pesquisados. Mesmo o RS tenha apresentado queda na taxa de detecção nos últimos anos, segue no topo do ranking com o maior número de casos: 29,4 para cada 100 mil habitantes.

O Rio Grande do Sul também registra a maior taxa de detecção em gestantes: são 9,5 casos para cada mil nascidos vivos, e 21,1 na Capital. Porto Alegre, individualmente, apresentou taxa de 60,8 casos/100 mil habitantes em 2017, valor superior ao dobro da taxa do Rio Grande do Sul (29,4%) e 3,3 vezes maior que a taxa do Brasil (18,3%). Nos casos de óbito por AIDS mais uma vez o Estado lidera, com nove mortes por 100 mil pessoas.

Secretário municipal de Saúde de Porto Alegre, Erno Harzheim

Em Porto Alegre os números caíram, mas a cidade segue na ponta de cima da lista de Capitais com o maior número de incidências do vírus. O secretário municipal da Saúde, Erno Harzheim, confirma as informações, mas ressalta que existe uma preocupação em realizar ações que estimulem a prevenção e o diagnóstico precoce. “Os números mostram redução nos dados gerais, na comparação com o ano anterior, de 10%. Mas Porto Alegre esteve sempre a frente dessa posição, e nunca mais abandonou. Diminuímos o número de casos totais, mantemos um número desconfortável entre gestantes, mas temos um bom controle da transmissão vertical”, declarou.

Erno também reforçou o empenho da cidade em realizar testagens rápidas e na distribuição da chamada Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). “No ano que vem mais uma unidade móvel deve ser disponibilizada, para testagem de HIV e Sífilis, em parceria com o Hospital Moinhos de Vento. Serão duas unidades na cidade”.

Questionado se os jovens estão mais relapsos em relação à prevenção do HIV, foi enfático: “não só nesse público. A infecção pelo HIV e a consequente AIDS deixou de ter um impacto -até visual- na aparência de quem está doente como era nos anos 80, graças ao avanço do tratamento. Hoje a AIDS é uma doença crônica, as pessoas vivem muitos e muitos anos, se a pessoa adere ao tratamento ela mantém a doença sobre controle. Isso dá uma falsa impressão de que o tratamento não é agressivo, mas ele tem suas consequências.”

Sobre números acima da média nacional, a Coordenadora da Seção de Controle de DST/AIDS, Ana Lúcia Pecis Baggio, disse que a questão ainda é uma incógnita: “existe uma hipótese de que a vigência do vírus tipo C ocorrer no Estado, que poderia trazer essa justificativa”. Além disso, garantiu que o governo do Estado pretende realizar uma pesquisa no ano que vem que analise comportamento e atitude dos gaúchos “que nos explique um pouco dessa questão”.

Questionada acerca de ações de prevenção ao vírus, Ana Lúcia ressalta a Profilaxia Pré-Exposição, a PrEP. A administração do fármaco existe em Porto Alegre pelo SUS desde janeiro de 2018, e a expansão para outros 12 municípios gaúchos já está em andamento. “É um método aplicado às populações prioritárias, como transsexuais, profissionais do sexo e casais sorodiscordantes”, afirmou a coordenadora, ressaltando que existe também a Profilaxia Pós-Exposição de Risco, a PEP.

Ainda sobre as médias elevadas, disse que os números são, de fato, altos, mas que estão decrescendo: “os dados que saíram, do próprio ministério mostram isso, principalmente para Porto Alegre, que puxa esses dados para cima. Mas com o trabalho que vem sendo feito estamos baixando. São números pequenos, mas mostram o resultado dos trabalhos que vem sendo realizado”, ponderou.

Para o médico Guilherme Domingues, infectologista do Hospital Universitário de Canoas, a evolução no tratamento e na qualidade de vida dos pacientes desde o começo da epidemia é imenso. O profissional reforçou que o acesso aos medicamentos antirretrovirais é eficaz e os pacientes, via de regra, não sentem dificuldades de levar o tratamento adiante. Os diagnósticos positivos obtidos em consultórios particulares são igualmente encaminhados para a rede pública e recebem continuidade do tratamento pelo SUS.

Em cerca de 40% dos pacientes expostos ao HIV surgem sintomas como ínguas, nódulos, febre e dores de cabeça cerca de 20 a 25 dias após o contato. Após exposições de risco, a presença desses quadros pode ser um sinal de alerta. Os tratamentos atuais conseguem eliminar até 99% do vírus, mas infelizmente ele não é totalmente aniquilado. “A doença é controlada, a vida é próxima do normal, mas não há a cura. Se elimina ou diminui muito o risco de infecções oportunistas e o contágio para outras pacientes”, reforçou Guilherme.

Guilherme ressalta, entretanto, que os excelentes resultados do uso dos medicamentos antirretrovirais não excluem outras características da doença, como a maior incidência de alguns casos de câncer. Um dos indícios de que o HIV se tornou menos agressivo é, justamente, a eficácia dos antirretrovirais: “antigamente eram coquetéis, hoje o tratamento inicial é feito com dois comprimidos uma vez ao dia”, ponderou.

Rodrigo*, HIV positivo desde 2015

Rodrigo*, engenheiro, foi contaminado em 2015. Há três anos convivendo com o vírus, afirma que “assimilou bem” o diagnóstico, mesmo com uma reação conturbada logo após a descoberta. “Hoje, eu simplesmente esqueço que eu tenho isso. É algo que eu assimilei bem, mas na época foi muito difícil”, conta ele, ressaltando que optou por não contar aos pais sobre a sorologia positiva. “Meus pais não entenderiam. Eles ainda tem o entendimento do vírus como era nos anos 80, em que as pessoas morriam. Eles já estão com 70 anos, resolvi não fazer com que sofressem, se preocupassem por causa disso. Entre meus amigos, cerca de 15 pessoas sabem”.

Ele também confirmou que o sistema de retirada dos antirretrovirais é satisfatório no Estado: “eu tenho plano de saúde, não utilizo o SUS para as consultas e exames, mas a retirada de medicamentos é toda pelo SUS, tranquila, sem filas, extremamente satisfatório.” Reforçou, entretanto, que a rotina de horários é rígida e precisa ser seguida à risca. “Se você não tomar a medicação, você não vai ficar vivo daqui alguns anos”, ponderou.

Questionado sobre o comportamento de risco observado principalmente entre os jovens, ele alertou: “as pessoas pensam que se pegarem o vírus é só tomar a medicação e seguir a vida. Mas não é bem assim, o melhor é não tomar medicação alguma, sem essa preocupação. O jovem estão realmente bem despreocupados em se preservar”. Também apresentou um dado importante, afirmando que muitas pessoas com as quais se relaciona (é solteiro) fazem uso da medicação pré-exposição, esquecendo que a substância não previne outras DSTs.

HIV no Brasil

De 2007 até junho de 2018, foram notificados no Sinan 247.795 casos de infecção pelo HIV no Brasil. Dados do Ministério da Saúde apontaram, nesta semana, que, de 1980 a junho de 2018, foram 926.742 diagnósticos. Nos últimos dez anos, 50.890 foram registrados nos Estados do Sul.

Os homens são maioria, com 73% dos novos casos identificados neste grupo. Em 2012, a taxa de detecção da doença era de 21,7 casos para cada 100 mil habitantes enquanto, em 2017, o índice era de 18,3 casos, uma redução de 15%. Desde o início da epidemia até o final de 2016, 316.088 pessoas morreram em decorrência de complicações da AIDS no país.

HIV no mundo

Conforme os dados mais recentes divulgados pela Unaids, 36,9 milhões de pessoas em todo o mundo viviam com HIV em 2017. Desse total, 21,7 milhões tiveram acesso à terapia antirretroviral no mesmo ano. Também foram registradas cerca de 1,8 milhão de novas infecções no período.

A reportagem completa vai ao ar nesta noite, no Jornal de Domingo, a partir das 22h. Entretanto, você já pode acessar o conteúdo clicando aqui.

*A identidade da fonte foi preservada