Mais da metade dos alunos do 1º e 2º anos de 50 escolas do ensino médio da rede pública do Ceará e do Rio Grande do Sul, ouvidos em uma pesquisa inédita nos finais dos anos 2016 e 2017, relataram ter sofrido algum tipo de violência no ambiente escolar. Xingamentos, brigas e bullying em redes sociais são as principais reclamações dos jovens, segundo levantamento realizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) sob encomenda do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Coordenada pela socióloga Miriam Abramovay, responsável pela Área de Juventude e Políticas Públicas da Flacso, a pesquisa tinha como objetivo analisar como as agressões comprometem o desempenho escolar desses alunos e definir estratégias para alterar esse cenário.
“É um tema novo que as escolas não se atêm. Os governos não se dão conta que a questão da violência nas escolas, além de fazer mal para os jovens e professores, diretores e famílias, tira os alunos da sala. Existe uma correlação muito forte entre a violência escolar e abandono escolar”, lamentou a professora.
Miriam Abramovay ainda ressaltou as semelhanças sobre as situações de violência, de pouco diálogo com professores e diretores e de exclusão desses estudantes em relação ao universo escolar mesmo em estados com características locais tão diversas. O diagnóstico surgiu não apenas em questionários, mas também em relatórios elaborados pelos próprios jovens, onde descreviam questões como o que era ser jovem no Brasil, o que é violência nas escolas, a relação com os professores, entre outros temas.
A socióloga não esconde o choque com os relatos. Nas histórias, os estudantes mais afetados pela violência descrevem isolamento, estresse e até automutilação. Segundo ela, o contato mostrou que esses sentimentos não eram conhecidos entre os próprios jovens. “Eles não se conhecem, não sabem o que está acontecendo na vida de cada um. Naqueles grupos que trabalhamos tudo parecia uma surpresa entre eles”, contou a socióloga.
A partir desse trabalho, os próprios alunos desenvolveram um plano de ação para mudar o cenário. “Não foi uma grande mudança porque não houve tempo para isto”, avaliou Miriam, lembrando que a ação prática durou menos de um ano em função de greves e do movimento de ocupação de escolas que marcou aquele ano. “Mas tivemos mudanças contundentes nas relações sociais entre eles. Eles diziam ter criado relações sociais mais fortes”, afirmou.
O plano, aplicado em algumas das escolas que participaram do programa e batizado de “O papel da educação para jovens afetados pela violência”, acabou virando um guia a ser lançado amanhã, em São Paulo, e que vai poder ser usado, gratuitamente, por qualquer rede de ensino do Brasil.