“Fim de uma longa espera”, fala filho de Herzog após condenação do Brasil por Corte Interamericana

Falta de investigação sobre o assassinato, ocorrido durante a ditadura, levou à decisão

Ivo Herzog tinha nove anos quando o pai foi assassinado pela Ditadura Militar. Foto: Divulgação/Instituto Vladimir Herzog

Ivo Herzog tinha apenas nove anos, em outubro de 1975, quando o pai foi assassinado nas dependências do DOI/CODI de São Paulo. A versão oficial publicada pelos militares dava conta de que o jornalista Vladimir Herzog, de 38 anos, teria cometido suicídio no interior de uma das celas da unidade. Ele havia se deslocado espontaneamente ao local no dia anterior, a fim de prestar esclarecimentos solicitados pelo Exército pela suposta ligação que tinha com o Partido Comunista do Brasil, que durante a ditadura atuava na ilegalidade.

A família nunca aceitou a tese do suicídio, mas apenas em 15 de março de 2013 a esposa e os filhos de Herzog tiveram oficializado um novo atestado de óbito, que desta vez apontava “lesões e maus tratos” como causa mortis. Uma foto em que Vlado aparece enforcado, mas apoiada sobre os joelhos, deixava claro que Herzog tinha sido vítima de uma farsa. Ontem, quase 43 anos após a morte, a Corte Interamericana dos Direitos Humanos condenou o Brasil por não investigar as torturas e a morte cometidas pelo Estado contra o jornalista. Para Ivo, o filho mais velho, a decisão acaba com “uma longa espera” para a família.

Ivo falou nesta quinta-feira ao programa Direto ao Ponto, da Rádio Guaíba, e comentou não apenas o caso envolvendo a morte do pai, mas o contexto que permeou o fato. A sentença, segundo ele, é recebida com alegria, mas ressalta que apenas abre à família o direito de buscar os culpados. “Acredito que haja uma investigação”, seguiu Herzog, “já que o Brasil é signatário de tratados internacionais. Se somos uma nação soberana e séria e não apenas um bando de gente, vamos honrar os tratados internacionais e dar prosseguimento à investigação. A decisão da Corte dá fundamento legal não apenas para a questão do meu pai, mas para todos os mortos, torturados e desaparecidos da ditadura, e ressalta que a Lei da Anistia não se aplica nesses casos.”

Questionado sobre os movimentos que defendem o retorno dos militares ao poder, Ivo mencionou a ignorância sobre os fatos históricos e a responsabilidade do próprio Estado sobre isso: “é muito triste que uma parcela da população, basicamente os ignorantes sobre essa parte da história do Brasil, pense assim, mas eu não culpo essas pessoas por terem essas visões, já que isso é resultado de um sistema muito falho.” Ivo explicou que “no Brasil, ao invés de rupturas com sistemas como a Ditadura, houve processos de transição que deixaram feridas abertas e que impediram que as pessoas conhecessem o que aconteceu naquela época”. Também falou sobre corrupção durante o governo dos militares: “as pessoas dizem que não houve corrupção. Na ditadura havia censura, se você denunciasse corrupção, era preso, torturado, desaparecia”.

Ainda sobre a morte do pai, sob alegado suicídio, Ivo foi enfático ao dizer que a família e a comunidade judaica da qual faziam parte imediatamente rechaçaram essa tese. “O rabino mandou enterrar meu pai no meio do cemitério. Se sabe que se ele tivesse cometido suicídio, ele seria enterrado às margens do local. Foi uma forma de a comunidade judaica de dizer que sabia que meu pai não tinha se suicidado”, afirmou. Além disso, o fato do assassinato travestido de suicídio ter recebido cada vez mais questionamentos por parte da população, culminando com a marcha até a Catedral da Sé em 31 de outubro, demonstrou a farsa do Estado perante a população, considera Ivo. “Tentar manter essa farsa foi mostrar que o Estado todo era uma farsa, e que não se pode confiar nesse Estado. Todo aquele aparato era falso, mentiroso. Se o Estado estava mentindo sobre a morte do meu pai, certamente estava mentindo sobre coisas muito mais sérias.”

Sobre o período posterior à morte do pai, Ivo recorda da mãe: “foi um processo muito doloroso, principalmente para a minha mãe, que tinha 34 anos e perdeu o marido e o pai dos filhos dela, e passou a se dedicar a buscar a verdade sobre a morte do meu pai. É um processo que deixa marcas, deixa cicatrizes.” Ivo mencionou, no entanto, que o fato de a família ter servido de espelho para outros brasileiros, com menos exposição pública, também poderem buscar pelos mortos e desaparecidos é um elemento de felicidade no meio da tragédia. O Instituto Vladimir Herzog, que se dedica a uma cultura de paz e não violência e luta pela manutenção dos direitos humanos, igualmente foi citado como uma consequência positiva do crime.

Por fim, Ivo comentou o caso envolvendo a condenação de oito militares chilenos pela morte do compositor Victor Jara, registrado durante a ditadura de Pinochet, há 45 anos. A gente vê que no Chile o tema da ditadura é muito complexo, eles têm muita dificuldade pra tratar, mas conseguiram levar diversos personagens a julgamento. A gente não pode ter vergonha da nossa história e, a partir dessa vergonha, não falar sobre ela: temos que conhecer, contar para os nossos filhos, tem que contar a parte bonita e a parte feia da nossa história”.

Ouça a entrevista na íntegra: