Bancada ruralista pressiona por votação do PL do marco temporal na Câmara; entenda

Texto dificulta a demarcação de terras indígenas; representantes de povos de diversas etnias dizem que proposta é inconstitucional

Foto: Mário Vilela / Funai

A bancada ruralista na Câmara dos Deputados se organiza para pressionar o Congresso Nacional pela aprovação do projeto de lei do marco temporal (PL 490/2007), que, entre outras coisas, dificulta a demarcação de terras indígenas no país. Em menos de um dia, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) conseguiu as 262 assinaturas necessárias para pautar a urgência do tema no plenário com o apoio do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Em linhas gerais, o projeto retira do Poder Executivo a competência de definir a demarcação de terras indígenas e transfere para o Congresso. O texto estabelece um marco temporal que prevê que só poderão ser consideras terras indígenas aquelas já em posse desses povos na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988. Além disso, também abre espaço, em terras indígenas, para exploração de projetos do agronegócio, mineração e demais empreendimentos de infraestrutura.

O tema também está em discussão do Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso, o presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), corre contra o tempo para emplacar o projeto no plenário da Câmara buscando esvaziar o julgamento no STF, marcado para 7 de junho.

“Estamos nos antecipando ao STF alterando a legislação para que esteja claro na lei aquelas 19 condicionantes que foram definidas pelo ministro Ayres Britto no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol”, afirmou. O julgamento que estabeleceu a terra indígena, localizada em Roraima, ocorreu em 2009.

Desde que começou a tramitar, 16 anos atrás, o PL já acumulou 13 projetos apensados e, recentemente, recebeu um texto substitutivo, apresentado pelo deputado federal Arthur Maia (União-BA). Segundo o autor do requerimento de urgência, o deputado Zé Trovão (PL-SC), o assunto pautou uma reunião com Lira, que se comprometeu a levar o projeto de lei a plenário nos próximos dias.

Zé Trovão negou a intenção de atacar os indígenas com o requerimento de urgência. “Essa discussão se tornou uma guerra, mas ela não é. Queremos dar tranquilidade e segurança jurídica aos povos indígenas e produtores rurais. Queremos tranquilidade no campo”, disse Trovão.

Resistência 

O tema vem sendo rechaçado na Câmara por representantes dos povos indígenas, a chamada bancada do cocar. Para a deputada Célia Xacriabá (PSol-MG), o texto estabelece exploração hídrica, expansão da malha viária, exploração de alternativas energéticas, garimpeiras e mineradoras, todas essas atividades implementadas, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.

“Nós [povos indígenas] somos questionados o tempo todo se não somos civilizados, mas, na verdade, esse PL é um projeto de lei anticivilizatório do Brasil. Se nós protegemos mais de 80% da biodiversidade, o PL se torna não só um perigo para os povos indígenas, mas é um perigo para a sociedade e para a humanidade”, afirmou a deputada.

O deputado Airton Faleiro (PT-PA) defendeu a retirada do projeto da pauta, já que, na opinião dele, o texto é inconstitucional. “Se o Congresso insistir em votar esse PL, vai perder tempo. Na minha leitura, o STF vai derrubar porque [a demarcação de terras indígenas] é cláusula pétrea”, disse.

O texto também é criticado pela presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana. Em audiência pública na Câmara, Wapichana defendeu que o Congresso se debruce sobre propostas que garantam os direitos dos povos indígenas, e não o contrário. “É necessário que, ao invés de paralisar a demarcação das terras indígenas, essa Casa possa fazer valer e implementar os direitos constitucionais”, comentou.

O PL recebeu aval da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) ainda em 2008. No ano seguinte, no entanto, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHM) o rejeitou.

Terras indígenas correspondem a 13,75% do território brasileiro 

Segundo informações publicadas pela Funai, existem 764 áreas nos registros do órgão. Em 483 locais, os processos de demarcação foram homologados e, em 281, seguem sob análise.

Essas áreas correspondem a 13,75% do território brasileiro, distribuías em todos os biomas, sobretudo, na Amazônia Legal. A distribuição se dá pela seguinte forma:

• 54% – Norte;
• 19% – Centro-Oeste;
• 11% – Nordeste;
• 10% – Sul; e
• 6% – Sudeste.

O processo de demarcação, regulamentado pelo decreto nº 1775/96, é o meio administrativo para identificar e sinalizar os limites do território tradicionalmente ocupado por um povo indígena. A regularização desses locais compreende as etapas abaixo:
• Estudos de identificação e delimitação, a cargo da Funai;
• Contraditório administrativo;
• Declaração dos limites, a cargo do ministro da Justiça;
• Demarcação física, a cargo da Funai;
• Levantamento fundiário de avaliação de benfeitorias implementadas pelos ocupantes não índios, a cargo da Funai, realizado em conjunto com o cadastro dos ocupantes não índios, a cargo do Incra;
• Homologação da demarcação, a cargo da Presidência da República;
• Retirada de ocupantes não índios, com pagamento de benfeitorias consideradas de boa-fé, a cargo da Funai, e reassentamento dos ocupantes não índios que atendem ao perfil da reforma, a cargo do Incra;
• Registro das terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da União, a cargo da Funai; e
• Interdição de áreas para a proteção de povos indígenas isolados, a cargo da Funai.