Um dia depois da divulgação de que possui uma offshore em paraíso fiscal, o ministro da Economia, Paulo Guedes, discursou na abertura da “1ª Semana Orçamentária do Tribunal de Contas da União”, na manhã desta segunda-feira (4). Sem mencionar a denúncia, Guedes falou sobre as ações da Corte de contas e voltou a defender a desvinculação das despesas obrigatórias do orçamento.
O nome do ministro foi citado na investigação que levou o nome de “Pandora Paper”, apuração de um consórcio internacional de jornalistas investigativos. Guedes seria dono de uma empresa offshore, a Dreadnoughts International, registrada nas Ilhas Virgens Britânicas. A empresa teria sido criada em 2014 e tem mais de US$ 9,5 milhões investidos.
Segundo a investigação, o ministro manteve a conta ativa mesmo depois de ingressar no governo em 2019. Guedes pode ter lucrado mais de R$ 16 milhões com a desvalorização do real diante do dólar durante o governo de Jair Bolsonaro.
A desvalorização do real durante o comando de Guedes no Ministério da Economia fez com que seu investimento, de R$ 35 milhões, em agosto de 2015, saltasse para R$ 51 milhões, apontam as investigações.
Abertura de evento do TCU
O ministro Paulo Guedes defendeu a desvinculação e desindexação das despesas obrigatórias do Orçamento. Para ele, os gestores públicos deveriam ter a liberdade de escolher onde aplicar os recursos, como forma de investir nas áreas que mais necessitam.
“Nós somos prisioneiros de um orçamento público que está 96% carimbado. Só chegaremos ao pleno exercício da política quando estivermos desobrigados, desindexados, desvinculados”, disse.
Guedes usou como exemplo o “orçamento de guerra” adotado em 2020 em virtude da pandemia de Covid-19. O governo pôde remanejar recursos para o enfrentamento ao coronavírus.
“Ano passado foi o seguinte, ‘vamos esse ano segurar, postergamos o aumento de salários’. Neste ano pode haver recomposição de salários. Na Saúde, retrocedeu a pandemia, podemos enviar recursos para outras áreas. A essência da política se traduz nas alianças para os recursos públicos. Quando vc tem só 4% de espaço e 96% carimbados você não tem o que fazer. Aumentos anuais orçamentários deveriam ser desvinculados, livres”, afirmou.
Pandora Papers
A investigação sobre offshores abertas em paraísos fiscais, como as Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe, aponta que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, possuem empresas e mantiveram seus negócios nesses locais mesmo depois de fazerem parte do governo federal, em 2019.
Guedes e Campos Neto disseram que os empreendimentos estão declarados na Receita Federal e negam irregularidades. A apuração teve a participação de 615 jornalistas de 149 veículos em 117 países. Entre as empresas envolvidas na apuração estão o jornal The Washington Post, a rede britânica BBC, a Radio France, o jornal alemão Die Zeit e a TV japonesa NHK.
A Pandora Papers mostra que Campos Neto respeitou as normas vigentes ao não fazer investimentos depois de assumir o cargo no Banco Central. Guedes mantém a empresa aberta e não respondeu se fez alguma movimentação ou a natureza de uma possível operação do tipo.
A lei permite que brasileiros mantenham empresas offshore, contanto que elas sejam declaradas à Receita Federal e ao Banco Central. Guedes e Campos Neto atuaram de forma decisiva para modificar as regras para os donos de offshore em julho de 2020. Entre as medidas, houve a elevação no limite de depósito de valores no exterior que precisa ser declarado.
Conflito de interesses
Especialistas ouvidos pelo portal R7 afirmam que existe um possível conflito de interesses no caso envolvendo o ministro Paulo Guedes e a manutenção de uma offshore em um paraíso fiscal nas Ilhas Virgens Britânicas. Os juristas dizem que o ministro deve comprovar que as movimentações feitas por ele após assumir o cargo no governo são lícitas.
“Ele não apresenta as movimentações. Ele já indicou que existem, sim, movimentações na offshore, mas ele não indica quais são. E como regra, para que nós evitemos tanto uma sonegação fiscal como, no caso mais extremo, uma lavagem de dinheiro, é necessário que ele comprove tudo isso. A partir do momento em que não há comprovação, há a possibilidade do cometimento desses crimes e, consequentemente, há até, diante de todo o contexto, um conflito de interesses”, afirma o especialista em direito constitucional Acacio Miranda.
Ele diz que Guedes está sujeito à destituição do cargo, caso seja comprovado que há conflito de interesses, “uma vez que não é razoável nós pensarmos em um ministro que cometa crimes de sonegação fiscal”. Ele também poderá responder por crime de responsabilidade, como prevê a lei.
Outro aspecto que pode caracterizar conflito de interesses é o fato de que no texto da reforma tributária proposta pelo ministro Paulo Guedes as empresas offshore ficam isentas de pagar impostos sobre seus rendimentos. Desse modo, ele poderia atuar em favorecimento próprio.
O advogado e cientista político Nauê de Azevedo classifica as informações sobre a offshore de Guedes em paraíso fiscal como graves. Ele avalia que as revelações podem prejudicar a aprovação da reforma tributária, uma vez que se abrem precedentes para questionar decisões do ministro.
“É muito grave ter uma situação de um possível conflito de interesses do ministro da Economia. Sem querer dizer se ele teve ou não benefício, a própria sombra de legitimidade que recai numa situação dessas pode prejudicar qualquer reforma nesse sentido”, declara o jurista.
Oposição deve denunciar
Pauo Guedes e Roberto Campos Neto devem ser alvos de uma representação de líderes da oposição, a ser protocolada junto ao Ministério Público Federal nesta segunda-feira (4), após denúncia de que ambos mantêm empresas em paraísos fiscais.
O líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), formalizará um pedido de convocação do ministro para prestar esclarecimentos.